13/11/2023 às 12h42min - Atualizada em 13/11/2023 às 12h42min

A atuação dos partidos políticos ao longo da história política brasileira

* Por Wellington Valente

Inicialmente cabe destacar o fato de que na nossa experiência histórica, as noções de partidos políticos e de democracia (governo do povo e para o povo) estão intimamente ligadas, especialmente pelo fato de que a construção, pelos partidos políticos, de suas doutrinas filosóficas e políticas mundo afora, em muito contribuem e estimulam o debate e a busca de soluções para as diversas mazelas que afligem a sociedade como um todo, contribuindo para a formação de opinião sobre as principais questões que envolvem o país, além de estimular o amadurecimento do eleitor para o exercício da cidadania, elemento este ao nosso ver, crucial para o fortalecimento da democracia brasileira, tendo sempre como referência o ordenamento constitucional.

A história nos mostra que o processo eleitoral brasileiro teve início ainda quando da descoberta do Brasil pelos portugueses, onde vemos que a história partidária nacional sempre esteve ligada às eleições.

No início as agremiações políticas se resumiam a governo e oposição, sendo que no contexto histórico, as eleições no Brasil iniciaram no período colonial, mais especificamente no ano de 1532, na Vila da São Vicente, onde, de acordo com as determinações contidas no Título XLV, do Livro I, das Ordenações Manuelinas vigentes entre 1521/1595, todo e qualquer Senhor de Terras deveria realizar as eleições em seus domínios de poder, fosse em Portugal, fosse em terras d´além Mar (Brasil e continente africano), para eleger os juízes, oficiais e vereadores provinciais.



Plenário decreta perda do mandato do deputado federal Marcelo Lima (PSB-SP)


Partindo destas premissas, Martin Afonso de Souza convocou seus concidadãos portugueses moradores da província de São Vicente para a escolha do primeiro conselho administrativo da vila, constituindo, portanto, na primeira eleição realizada em solo brasileiro, marcando assim o início do processo eleitoral de nosso país.

Partindo deste princípio, é possível confirmar que nos primórdios do processo eleitoral brasileiro, não tínhamos a participação das agremiações partidárias, sendo que as eleições eram realizadas pelos senhores de terras.



Dr. Wellington Valente. Advogado, especialista em Direito Eleitoral.



A Constituição Brasileira de 1934 trouxe o embrião do que se pode entender por filiação partidária como condição de elegibilidade, já que seus artigos 23 e 24 traziam a figura dos representantes das organizações profissionais.

Desse modo, a filiação aos sindicatos de classe torna-se condição para a elegibilidade desses representantes. Contudo, tal disposição não foi repetida em nenhuma Constituição posterior, o que levou as categorias sindicais já sedimentadas, com ideários partidários, a formarem diversos partidos com interesses dispares, como se percebeu nas eleições de 1945.

A primeira menção constitucional aos partidos políticos foi feita na Carta Constitucional de 1946, nos artigos 119, 132, e 141, §13, mostrando assim que os partidos políticos eram essenciais para a vida política do Estado Republicano, notadamente pelo fato de que quanto mais forte fosse a atuação política dos partidos, mais democrático era o governo e menor era a chance de intervenção militar na vida civil dos brasileiros, dado ao sistema de governo militarizado até então implantado. 



A história republicana nos mostra que o sistema de representação proporcional herdado da CB/34 e renovado na CB/46 deu oportunidade ao aparecimento de diversos pequenos partidos nacionais, que, não obstante, eram derivados dos antigos partidos regionais. Tais partidos eram, dentre outros: Partido Social Democrático, União Democrática Nacional, Partido Trabalhista Brasileiro, Partido Libertador, Partido de Representação Popular, Partido Republicano, Partido Comunista Brasileiro, Partido Popular Sindicalista, Partido Agrário Nacional, Partido Republicano Progressista e Partido Democrata Cristão.

Interessante que dado à efetiva participaçã
o no cenário político brasileiro, logo alcançaram representação nos legislativos nacional, estadual e municipal. Mais tarde a grande maioria deles foi incorporada pela UDN, sendo que entre os anos de 1945 e 1965, os partidos políticos ganharam grande participação na seara pública da República.

Diante de tal cenário, qual seja, da efetiva participação dos partidos políticos na vida da república brasileira, em 15 de julho de 1965 ocorre a consolidação desta atividade por meio da edição da Lei nº 4.740, a denominada Lei Orgânica dos Partidos Políticos. A população tinha deixado de lado a desconfiança nos partidos políticos, oriunda da República Velha, e passado a se identificar com as cúpulas partidárias que iam surgindo. Contudo, a cultura antipartidária e o alto gerenciamento estatal sobre as agremiações existentes impediu que os partidos fossem considerados verdadeiros agentes de formação da vontade popular.

No período da ditadura militar, já na década de 1960 (anos de 1965 e 1966), os partidos políticos deixaram de existir a partir da edição dos Atos Institucionais nºs 2 e 4, sendo que a Aliança Renovadora Nacional – ARENA – e o Movimento Democrático Brasileiro – MDB – não atuavam propriamente como partidos políticos, mas sim como uma organização fictícia de um “bipartidarismo” mascarado e forçado, que atrasou a consolidação político partidária e democrática no país, sendo que a CB/67, com a Emenda de 1969, regulamentou a matéria dos partidos políticos, não para beneficiar seu desenvolvimento, mas para restringir seu campo de atuação.

Alguns avanços aparentes seriam as seguintes disposições: imunidade tributária (art. 20, III, c); participação na organização das comissões parlamentares de inquérito (art. 32, parágrafo único, e art. 39); representação à Câmara para declaração de perda de mandato (art. 37, §2º); organização, funcionamento e extinção dessas agremiações (art. 149); e a possibilidade de o partido ser acionista de empresa jornalística (art. 166, III).

O cenário de restrições imposto à atuação dos partidos políticos no Brasil sofre grandes mudanças em 1979, quando se inicia a implementação do pluripartidarismo e uma base eleitoral mínima para a atuação dos partidos na vida estatal.

A redemocratização, entretanto, só vem com a Emenda Constitucional nº 25/1985, que alterou a redação do artigo 152 da Constituição Federal de 1967, que estabeleceu a liberdade de criação de partidos políticos, além de determinar que a organização dos mesmos e respectivo funcionamento resguardasse a Soberania Nacional, o regime democrático, o pluralismo partidário e os direitos fundamentais da pessoa humana, observando sempre o direito do cidadão de associar-se livremente a Partido Político; vedando a utilização pelos Partidos Políticos de organização paramilitar; proibindo a subordinação dos Partidos Políticos a entidade ou Governo estrangeiros; dotando os partidos políticos de personalidade jurídica mediante registro dos seus Estatutos no Tribunal Superior Eleitoral; fixando a atuação dos Partidos Políticos de forma permanente e de âmbito nacional, sem prejuízo das funções deliberativas dos órgãos estaduais e municipais.

A Assembleia Nacional Constituinte de 87/88, que deu origem à Constituição federal de 1988, trouxe o que mundialmente ficou conhecido como a constitucionalização dos partidos políticos. O termo marca uma diferença com o princípio precedente, pois as previsões anteriores não visavam a constituição de uma democracia multipartidária, nem criavam um direito partidário consolidado, estável e sem submissão a qualquer ente estatal.

A Constituição de 1988 escolheu a democracia dos partidos como seu regime político de participação popular na administração do Estado brasileiro. Com o término do regime militar ditatorial e com a elaboração de uma nova Constituição, percebeu-se o interesse em se organizar em partidos políticos objetivando uma maior representatividade da sociedade civil. Já nos anos 1980, os partidos políticos não poderiam mais ser tratados como as demais sociedades privadas de direito público interno, dada a sua importância no cenário político que despontava. Já se compreendia que tais agremiações eram o centro das discussões políticas no país. Assim, a constituinte de 1987-1988 trouxe o que ficou conhecido como a constitucionalização dos partidos políticos.

Ademais, ao determinar que os partidos políticos teriam o seu registro formal no Cartório de Pessoas Jurídicas e que a filiação partidária é condição de elegibilidade (art. 14, §3º, V da CF), o constituinte reafirmou a importância destes, o que é uma característica de uma democracia composta por partidos que têm ampla atuação no cenário político mundial.

No plano da atuação parlamentar, as características da democracia de partidos ficam ainda mais evidentes. As casas legislativas têm regras próprias (regimentos internos) de atuação e reserva espaço para a efetiva ação dos partidos políticos. Toda a regulamentação da atuação parlamentar nacional está centrada na figura dos partidos políticos.

Claro está o fato de que a democracia brasileira está diretamente ligada à democracia partidária nacional, funcionando de forma interligada, onde o fortalecimento daquela depende do fortalecimento dessa. Os partidos políticos não se resumem à função representativa que originalmente tinham no Estado. Nos tempos atuais, onde vivemos em uma sociedade altamente globalizada e plural, a democracia necessita do fortalecimento dos partidos políticos, pois eles reúnem os iguais e dialogam democraticamente com os diferentes, coisa que pessoas isoladas não têm condições de fazer.
 


*Wellington Alves Valente, advogado, pós-graduado em gestão pública, especialista em direito eleitoral, mestrando em mediação e conciliação pela Fundação Universitária Iberoamericana - Rede Universitária Brasil. (E-mail: valenteadv1@gmail.com; site: www.
valentereis.com.br)

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