11/01/2023 às 13h45min - Atualizada em 11/01/2023 às 13h45min
Sistema multiportas de solução de conflitos e a aplicação da transação e mediação como instrumento de resolução de conflitos de ordem tributária – mudança de paradigmas
É de conhecimento de todos que lidam nas hostes dos processos tributários tanto em nível federal, quanto estadual e municipal, o fato que o tempo médio de tramitação de um processo judicial na seara tributária desde a propositura da ação até o trânsito em julgado de uma sentença é por demasiado longo, superando a casa de 05 (cinco) anos, conforme apontou um estudo realizado pelo Conselho Nacional de Justiça.
Após a promulgação da Lei nº 13.988/2020, lei esta que trata da transação tributária em nível federal, tendo por referência legislativa os artigos 156, inciso III, e 171 do Código Tributário Nacional, passou a ser válida e legítima a criação de mecanismos de simplificação para resolução de conflitos por parte dos entes públicos, vinculados a questões tributárias, exigindo para tanto, a motivação e a demonstração do atendimento do interesse público.
Porém, conforme abordaremos mais detidamente neste artigo, vemos na mediação uma das alternativas de solução de conflitos um tanto quanto eficaz para que evitemos uma enxurrada de processos tramitando no judiciário, onde tanto as empresas, quanto as pessoas físicas poderiam ter a sua disposição uma forma simples, ágil, eficiente, de baixo custo, mas pouco utilizada como mecanismo de negociação para resolução das contendas, mesmo tendo sido devidamente regulamentada por força das disposições legais constantes na Lei nº 13.140/2015.
Entretanto, mesmo sendo uma metodologia simples, ágil, eficiente e de baixo custo, infelizmente não se aplica para casos de ordem tributária, sendo que um dos principais entraves para o uso nos litígios tributários se dá em decorrência da enorme dificuldade de negociação com o fisco, fazendo com que essa modalidade extrajudicial tenha uma evolução lenta na importante relação mantida entre os contribuintes e a administração pública tributária, o que convenhamos, é sinal de retrocesso.
Como se já não bastasse tal situação, os órgãos tributários em todos os níveis, desde a Receita Federal, Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, órgãos estaduais e municipais, têm focado suas ações para resolução de conflitos no modelo da transação tributária, modalidade esta que possibilita a extinção do crédito tributário por meio de negociações entre contribuintes e fisco, não havendo ainda interesse na implantação do método da mediação.
Destaque-se que a partir da edição da Lei nº 13.988/2020, a União passou a ter os procedimentos da transação devidamente formalizados e regulamentados, o que ao nosso entender configura uma mudança importantíssima no cenário da resolução de conflitos de natureza tributária ao permitir, depois de mais de 50 anos, a autocomposição sobre o crédito tributário.
Por se tratar de uma novidade, muitas das suas características exigem um desenvolvimento maior desta metodologia alternativa, pois partindo de uma análise dogmática das soluções consensuais de conflitos pela autoridade tributária, inclusive no que se refere à definição dos critérios para sua utilização, é possível concluir que o método da transação no processo tributário visa permitir uma gestão dialógica da coisa pública a partir da fomentação da aproximação entre o poder público e os contribuintes, visando sempre permitir que a receita pública seja efetivamente arrecadada, atendendo assim aos ditames estabelecidos na lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000).
De certo que a transação tributária apresenta significativas diferenças em relação à mediação, alternativa esta (mediação) que abre um maior espaço para negociações, permitindo, inclusive, reduções nos valores das dívidas tributárias principais, já que no valor principal, acrescido da atualização monetária, não pode haver redução. Já a transação, por outro lado, se apresenta como um modelo mais rígido no tocante à redução dos encargos, mesmo sendo considerada altamente eficiente pela administração pública.
Certo é também o fato de que a aplicação da metodologia da mediação para a solução dos conflitos inerentes ao processo tributário exige uma mudança de comportamento tanto da administração pública, quanto dos contribuintes, pois em primeiro plano devem estar abertas ao diálogo de forma ampla, permitindo com isto que eles próprios cheguem a um consenso, tendo a figura do mediador apenas o papel de auxiliar as partes para que elas mesmas construam o acordo a ser firmado, lembrando sempre que neste caso, o ajuste não pode ter por premissa o ganho de uma parte em detrimento da outra, mas sim de que para ganhar, cada uma das partes deverá ceder.
Mais ainda. O Código de Processo Civil, em seu artigo 3º estabelece que a obrigatoriedade do Estado promover, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos, determinando em seu parágrafo terceiro que a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial, fixando assim outros instrumentos normativos no sentido de se aplicar a mediação como método de solução dos conflitos, inclusive na seara tributária, mecanismo este que perfeitamente pode ser utilizado pela administração pública nos processos tributários.
Interessante destacar o fato de que nos vemos diante do denominado sistema multiportas de solução de conflitos, onde em termos de política pública e judiciária já de muito tempo vem sendo utilizado, vez que desde 2009 o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) incentiva o uso de métodos compositivos e extrajudiciais para a resolução de litígios, método este que bem se amolda aos processos de natureza tributária nos tempos atuais, ainda mais quando temos como certo o fato de que o direito não é estático, mas sim mutante, se adaptando ao tempo presente, visando sempre permitir a solução em detrimento da manutenção da querela.
Ainda confirmando o emprego da mediação para a solução de conflitos no âmbito da administração pública, podemos citar a existência da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (CCAF), órgão este que integra a Advocacia-Geral da União, onde em sua atuação, tem como objetivo a “prevenção e solução consensual de conflitos que envolvam órgãos da administração pública federal, autarquias ou fundações federais”, se fazendo presente em todos os estados da federação por meio das Câmaras locais de conciliação, atuando, inclusive na solução dos conflitos de ordem tributária.
Ao nosso entender, os órgãos da administração pública podem e devem desenvolver um modelo de mediação tributária, iniciando com uma abordagem relacionada aos menores valores, onde agindo sempre lastreados pelos princípios da eficiência, isonomia e impessoalidade, obtenham resultados satisfatórios em prol do erário público e do contribuinte, permitindo posteriormente o alargamento das ações em relação a valores maiores.
Temos consciência de que a mudança da postura da administração pública tributária neste sentido exige, necessariamente, uma transformação no entendimento dos administradores públicos que lhes permita libertar do pensamento de que a indisponibilidade do crédito tributário é rígida e não aceita adequações, pois como sabemos, as ações administrativas têm como premissa o pleno e eficaz atendimento do interesse público, que neste caso se subsumi ao incremento da receita, permitindo assim a ampliação das ações em prol da coletividade.
Porém, e quase sempre existe um porém, quando tratamos da coisa pública, infelizmente vemos ainda distante da realidade a adoção da mediação como mecanismo de solução de conflitos na seara tributária, o que venhamos e convenhamos, é um retrocesso.
Na ausência de vontade política, legislativa e técnica de desenvolver mecanismos para utilização da mediação no processo administrativo de solução de conflitos tributários, ao nosso entender a administração pública em todos os níveis, não só o federal, pode e deve se valer da transação como elemento de solução a ser adotada para resolução destes litígios.
E não precisamos ir longe para vermos um exemplo neste sentido, vez que em nível federal, como dito alhures, a partir da edição da Lei nº 13.988/2020, a administração tributária federal passou a dispor de mecanismo legal apto a permitir a aplicação da transação, sendo que em meados de maio/2021, a Receita Federal disponibilizou um modelo de transação para tratar especificamente os conflitos tributários que envolvam a participação nos lucros e resultados, questões estas de grande repercussão no âmbito das discussões administrativas e que estão a exigir uma ampliação do entendimento da aplicação das normas e procedimentos de forma a permitir a solução do litígio de uma maneira o mais adequada possível para a fazenda pública e o contribuinte.
Diante deste quadro, vemos como de grande importância a mudança de entendimento da gestão pública no sentido de que os entes governamentais passem a adotar o princípio da transação como instrumento de solução de conflitos de ordem tributária, permitindo assim o aumento do grau e da eficiência da resolutividade destas demandas, evitando com isto a enxurrada de processos judiciais que se arrastam por longo tempo e, quase sempre, com soluções que não atendem aos interesses das partes.
Necessário se faz que os estados e municípios flexibilizem a postura arrecadatória, buscando sempre atender ao princípio da eficiência, sempre balizados pela legalidade, por meio da edição de leis estaduais e municipais que autorizem a aplicação da transação como instrumento de solução de conflitos de ordem tributária, autorizando assim uma efetiva mudança de paradigma quanto a este tema.
Mas não é só isto. Ouso propor ainda que tanto a União, quanto os estados e municípios, se invistam de coragem administrativa para, na melhor acepção do emprego do princípio da discricionariedade, voltem seu olhos para o desenvolvimento de estudos e, se for o caso, posterior estabelecimento de mecanismos legais que autorizem a aplicação também da mediação para a resolução de litígios de ordem tributária, permitindo assim uma relação de maior proximidade entre a administração pública e o contribuinte na busca de soluções que melhor atendam ao interesse público voltado para o incremento da receita pública.
*Wellington Valente, advogado, pós-graduado em gestão pública municipal, mestrando em direito tributário pela Universidade Católica de Buenos Aires, e titular do escritório Wellington Valente Sociedade Individual de Advocacia (Wellington_valente1@yahoo.com.br).