09/02/2023 às 07h06min - Atualizada em 09/02/2023 às 07h30min

Grampo no ministro Alexandre de Moraes: as gravações ambientais clandestinas à luz da jurisprudência do TSE

*Cláudio Moraes
Ministro Alexandre de Moraes. Presidente do TSE
Nos últimos dias, os brasileiros acompanham sucessivas revelações que envolvem as mais altas autoridades públicas do centro do poder central em Brasília sobre um possível plano para implantar gravação ambiental clandestina no ministro Alexandre de Moraes, e com isso fazer gerar os mais variados desdobramentos jurídicos, judiciais e políticos, o que poderia resultar, inclusive, num golpe de estado.

Como é de conhecimento público, Alexandre de Moraes é ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), mas também compõe e atualmente preside o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) desde 2022 e permanecerá a frente deste Tribunal até junho de 2024.

Pois bem. Levando em consideração os dados acima, este artigo abordará o tema da gravação ambiental clandestina na jurisprudência do TSE, incluindo uma participação decisiva do ministro Alexandre de Moraes para o desfecho de determinado julgamento que realinhou o entendimento da Corte Eleitoral para considerar ilícita a gravação clandestina, aquela que não possui autorização judicial prévia.

O julgamento que produziu um amplo debate no TSE sobre aceitação ou não de gravações ambientais clandestinas foi o Agravo Regimental n. 0000293-64.2016.6.16.0095. Dois candidatos ao cargo de prefeito e vereador, no Paraná, protocolaram agravo de instrumento para tentar reverter no TSE decisão do TRE-PR que manteve a procedência da representação eleitoral por captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei 9.504/1997).

Inicialmente, o recurso foi analisado pelo ministro Luís Barroso, que presidia o TSE à época e a análise do agravo se deu em período de férias. O ministro negou seguimento ao agravo de instrumento. Mas os candidatos protocolaram o Agravo Regimental identificado acima, o qual passou a tramitar sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes. Foi justamente a partir daí que o Tribunal passaria a olhar com mais cautela para o tema.

De forma resumida, ao longo do tempo o TSE sempre se inclinou pela ilicitude das gravações ambientais sem autorização judicial prévia, as famosas gravações ambientais clandestinas, aquelas em que um dos interlocutores promove a gravação de conversas privadas sem que os demais tenham ciência. A exceção dos julgados eram as gravações em locais públicos.

Esse entendimento perdurou ao longo do tempo, mas nas eleições 2016 um fato curioso aconteceu. O TSE promoveu uma primeira alteração no seu entendimento, passando a aceitar as gravações clandestinas, mesmo sem autorização judicial prévia. E com esse entendimento o TSE julgou mais de 20 processos. Lembrando que os julgamentos feitos pelo TSE comumente não ocorrem dentro do mesmo ano do processo eleitoral, salvo as representações por propaganda, que possuem uma tramitação mais célere.

Pois bem. No longo julgamento do Agravo Regimental n. 0000293-64, que iniciou em 1/6/2021 e finalizou em 7/10/2021, referente as mesmas eleições 2016, o ministro Alexandre de Moraes apresentou seu denso voto em sentido contrário ao entendimento do ministro Luís Barroso, quando havia negado seguinte ao agravo de instrumento.

Destaca-se abaixo alguns pontos pinçados do voto do ministro Alexandre de Moraes:

 
O TRE/PR manteve a procedência da representação eleitoral por captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei 9.504/1997) proposta em desfavor dos ora Agravantes.
 
Conforme assentado na decisão agravada, possível extrair do acórdão regional que: “(i) os agravantes fizeram a oferta ‘de R$ 6.000,00, divididos em três vezes, sendo dois mil, mais dois mil, e dois mil após o pleito, dentre outros benefícios, como a concessão de remédios e auxílio na obtenção de aposentadoria, à eleitora Roseli, em troca de apoio aos candidatos Cia [Marcel] e Luiza’ (fl. 287); e (ii) ‘a recorrente Luiza teve participação ativa na compra de votos, tanto é que ela confirmou os dizeres acerca da compra de votos’ e ainda corroborou as
promessas de vantagens aos eleitores”.        
[...]
No que toca à prova obtida por meio de gravação ambiental, diversamente da posição firmada na decisão agravada, entendo como clandestinas aquelas em que a captação e gravação da conversa pessoal, ambiental ou telefônica se dá no mesmo momento em que a conversa se realiza, feita por um dos interlocutores, ou por terceira pessoa com seu consentimento, sem que haja conhecimento dos demais interlocutores, implicando inequívoca afronta ao inciso X, do art. 5º, da Constituição Federal.
 
Isto porque a tutela constitucional das comunicações pretende tornar inviolável a manifestação de pensamento que não se dirige ao público em geral, mas a pessoal ou pessoas determinadas. Consiste, pois, no direito de escolher o destinatário da transmissão.
 
Num ambiente caracterizado pela disputa, como é o político, notadamente acirrado pelo período eleitoral, o desestímulo a subterfúgios espúrios voltados a tumultuar o enlace eleitoral, resguardando assim a privacidade e intimidade constitucionalmente asseguradas, deve ser intensificado.

Reuniões políticas privadas travadas em ambientes residenciais ou inequivocamente reservados não se aprazem com gravações ambientais plantadas e clandestinas, pois vocacionadas tão só ao uso espúrio em jogo político ilegítimo, recrudescendo a possibilidade de manipulações, com supressão de trechos, elaboração de sofisticadas montagens, trucagens cada vez mais sofisticadas viabilizadas por equipamentos moderníssimos que ao fim podem alterar completamente o sentido de determinadas conversas.
 
O ministro Alexandre de Moraes destacou em seu voto, quando defendeu a ilicitude de gravação clandestina no processo eleitoral, que este entendimento apresentado se tratava de algo diverso daquele firmando pelo STF no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) n. 583.937, que teve repercussão geral reconhecida, Tema 237.

Neste julgamento, em 19 de novembro de 2009, o STF entendeu que a gravação ambiental clandestina, realizada por um dos interlocutores e sem o conhecimento do outro, seria válida. Mas o caso dos autos do RE 583.937 tratava-se de réu que pretendia usar gravação ambiental para sua defesa, em processo criminal.

Quando o ministro Alexandre de Moraes fez a distinção dos casos, reforçou que o assunto deve comportar atenção especial no processo eleitoral, dada a peculiaridade das disputas políticas, destacando a necessidade de se manter a estabilidade institucional.




Em relação a fundamentação do seu voto, o ministro Alexandre de Moraes entendeu que a ilicitude da gravação clandestina, além da afronta a dispositivo constitucional (art. 5º, X), também viola o art. 8-A da Lei 9.296/1996 (Lei de interceptações telefônicas) inserido pela Lei 13.964/2019 (popularmente conhecido como pacote anticrime).

Esse artigo 8-A da Lei 9.296/1996 aduz que, para investigação ou instrução criminal, poderá ser autorizada pelo juiz, a requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público, a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos. Em outras palavras, a gravação pode ocorrer, mas desde que haja autorização judicial prévia.
  • Do Recurso Extraordinário 1.040.515 - Gravação ambiental clandestina no processo eleitoral - Julgamento no STF

Agora, antes de abordar o restante do debate no TSE, o articulista precisa apresentar a seguinte informação a vocês: em 28 de novembro de 2016, o ministro Gilmar Mendes, do STF, presidia o TSE e admitiu o recurso extraordinário nos autos do Recurso Especial n. 1006-11.2012, como representativo da controvérsia de caráter repetitivo, para que o STF analisasse o assunto referente às gravações ambientais clandestinas especificamente no processo eleitoral.

Ao chegar no STF, o Recurso Extraordinário recebeu o n. 1.040.515, teve sua repercussão geral reconhecida à unanimidade e se transformou no Tema 979. Entre os dias 18/6/2021 e 25/6/2021, o Plenário do STF, em sessão virtual, apreciou o recurso e o ministro relator, Dias Toffoli, apresentou seu voto negando provimento ao Recurso Extraordinário para considerar ilícita a gravação ambiental clandestina no processo eleitoral, tendo o ministro Gilmar Mendes pedido vista em seguida, suspendendo o julgamento, sem que houvesse retorno até a presente data.

No seu voto, o ministro Dias Toffoli propôs a fixação da seguinte tese, a ser aplicada a partir das eleições 2022:

"- No processo eleitoral, é ilícita a prova colhida por meio de gravação ambiental clandestina, sem autorização judicial e com violação à privacidade e à intimidade dos interlocutores, ainda que realizada por um dos participantes, sem o conhecimento dos demais. - A exceção à regra da ilicitude da gravação ambiental feita sem o conhecimento de um dos interlocutores e sem autorização judicial ocorre na hipótese de registro de fato ocorrido em local público desprovido de qualquer controle de acesso, pois, nesse caso, não há violação à intimidade ou quebra da expectativa de privacidade"
 
Dessa forma, o STF inicia o julgamento sobre o tema das gravações ambientais sem autorização judicial no processo eleitoral confirmando o atual entendimento e o mais consolidado ao longo do tempo pelo TSE, ou seja, pela ilicitude das gravações clandestinas.

Feitas as considerações necessárias desse julgamento no STF, o articulista volta para a análise do Agravo Regimental debatido pelo TSE.
 
  • O debate no TSE no Agravo Regimental

Continuando a análise do Agravo Regimental no TSE, o ministro Alexandre de Moraes, ao fazer menção ao art. 8-A da Lei n. 9.296/1996, ainda assim considerou questionável o uso da gravação ambiental apresentada no processo mesmo se se tratasse de investigação criminal, concluindo que, sendo em processo eleitoral, a ilegalidade é patente.

Nesse ponto, para reforçar seus argumentos, o ministro deixou registrado que o assunto sobre gravação ambiental clandestina no processo eleitoral era algo especial e distinto do Tema 237 (STF), e colacionou a ementa da decisão do ministro Dias Toffoli nos autos do RE 1040515 (Tema 979), já transcrita acima.

Transcreve-se a seguir um trecho do voto o ministro Alexandre de Moraes, tratando sobre gravação clandestina no processo eleitoral, sem saber à época que ele próprio seria alvo do mesmo artifício sub-reptício e dentro de um processo eleitoral, como informa os noticiários nacionais:

 
Reitere-se que no âmbito das disputas eleitorais, como regra, as gravações e interceptações ambientais clandestinas não são levadas a cabo por vítimas de ato criminoso, mas ao contrário, são ajambradas, por vezes premeditadas e não raro dirigidas exclusivamente com intuito de prejudicar o adversário ou o grupo momentaneamente rival, com vistas a finalidade oposta à nobreza ou ao legítimo exercício do direito de defesa.
 
Admiti-las lícitas, como regra, e não como algo excepcionalíssimo, seria relativizar as garantias individuais consagradas no artigo 5º, II, X e XII da Constituição Federal não como meio de prestigiar princípios constitucionais outros de igual ou maior envergadura, mas como estímulo à expedientes artificiosos que tendo como intuito primeiro o de desconstruir a imagem alheia, antes desmerecem o escorreito processo eleitoral e vão na contramão do aperfeiçoamento das instituições democráticas, do que virtuosamente contribuem para um sistema capaz de expurgar quem não detenha os atributos necessários a bem desempenhar mandatos eletivos.
 
Segundo se infere da descrição constante do acórdão regional, a gravação foi realizada em ambiente privado (residência de eleitor), durante a campanha eleitoral, com a presença de outros candidatos e correligionários, para a divulgação de propostas e ideias de campanha, sem conhecimento, consentimento ou anuência dos demais interlocutores, notadamente os recorrentes, restando manifesta a ilicitude da prova.
 
De se convir que segundo regras de experiência comuns relativas à convivência humana, ninguém que recebe visitas em sua casa, seja de pessoas próximas, para confraternização, seja de pessoas não tão próximas assim, para finalidade qualquer, ainda que previamente agendadas, tem por direcionamento natural posicionar aparato destinado à gravação dos diálogos que serão travados, sobretudo de forma camuflada, assegurando-se que os demais não tomem conhecimento daquela iniciativa.
 
Ainda que não se ignore que nos dias atuais tais gravações podem ser feitas com singular facilidade, pois um simples celular serve bem a tal finalidade, a iniciativa da gravação é algo que por si contradiz o estado de espírito desinteressado, compatível, via de regra, com a inércia.
 
Nessa quadra, os recorrentes não teriam razão plausível para intuir que, num ambiente privado, no lar dos anfitriões, os assuntos tratados não seriam reservados estritamente a quem ali se encontrava, ao contrário do que normalmente ocorre em ambientes externos, públicos ou abertos ao público.
 
Assim, em regra, é ilícita a prova colhida mediante gravação ambiental feita por um dos participantes, mas sem o consentimento ou ciência inequívoca dos demais interlocutores, em ambiente inequivocamente privado, como o ocorrido no caso dos autos. De igual modo, provas derivadas de gravação ambiental ilícita não se prestam para fundamentar condenação, porque ilícitas por derivação.
 
Em matéria de provas ilícitas, o art. 157, § 1º, do CPC, excepciona a adoção da teoria dos frutos da árvore envenenada na hipótese em que os demais elementos probatórios não estiverem vinculados àquele cuja ilicitude foi reconhecida (HC 156157 AgR/STF, DJe de 26/11/2018 – destaquei). No mesmo sentido é a jurisprudência do TSE: RO 1821 (Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 31/03/2014).
 
No caso dos autos, contudo, ausentes outros elementos de prova absolutamente desvinculados daquela gravação, substrato primeiro e último da formação da culpa e condenação imposta aos recorrentes.
 
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao Agravo Regimental para julgar improcedente a Representação proposta com base no art. 41-A da Lei 9.504/1997.
 
Após a apresentação do voto do ministro Alexandre de Moraes, o ministro Luís Barroso pediu vista, e ao trazer seu voto-vista em sessão realizada em 02/09/2021, em um também detalhado voto, o ministro Luís Barroso divergiu do ministro Alexandre de Moraes e pontou, entre outras coisas, que:
 
“O tema em questão já foi apreciado por esta Corte em processo das Eleições 2016 (REspe nº 408-98, Rel. Min. Luiz Edson Fachin), no qual foi fixado que, em regra, admite-se como prova do ilícito eleitoral a gravação ambiental feita por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro e sem prévia autorização judicial, em ambiente público ou privado.
  
Pedindo vênias ao eminente relator, entendo que não cabe, neste momento, alterar a jurisprudência acerca do tema, uma vez que o entendimento já fora aplicado em diversos processos relativos às Eleições 2016. Com efeito, com base no entendimento fixado no julgamento do REspe nº 409-98, esta Corte considerou lícita a utilização da gravação ambiental como prova de ilícitos eleitorais em pelo menos 22 (vinte e dois) processos².
Por outro lado, deixou de aceitar a gravação ambiental como prova tendo em conta a existência de induzimento ou flagrante preparado em, no mínimo, 6 (seis) casos³.
 
Conforme já decidido reiteradamente por esta Corte, os princípios da isonomia e da segurança jurídica impõem a aplicação uniforme de orientação jurisprudencial dentro de um mesmo pleito eleitoral, a fim de evitar alterações abruptas e casuísticas às regras do jogo.
 
Ressalte-se que, quanto à aplicação da tese fixada no REspe nº 409-98 para outros casos das Eleições 2016, esta Corte já decidiu que “o novo entendimento quanto à regra da licitude das gravações em ambientes particulares não representa afronta à segurança jurídica, na medida em que não havia precedente sobre a matéria para os feitos relativos às Eleições 2016” (ED-REspe nº 178-79, Rel. Min. Jorge Mussi, j. em 24.10.2019).
 
Ademais, entendo que a aprovação do chamado “Pacote Anticrime” (Lei nº 13.964/2019), por ser direcionada às ações penais, não tem impacto imediato no âmbito de ações cíveis eleitorais. Com efeito, nas ações penais, potencialmente, são impostas sanções mais gravosas à esfera individual que nas ações cíveis eleitorais, o que justifica uma maior restrição quanto à produção probatória. Ademais, nas ações cíveis eleitorais, são tutelados bens jurídicos diferentes dos das ações penais, quais sejam, a liberdade de voto do eleitor e a normalidade do pleito, devendo a defesa desses valores ser considerada na ponderação do direito à preservação da intimidade (art. 5º, X, da CF).
 
Por fim, penso que não há impedimento ao julgamento da questão por esta Corte enquanto pendente no Supremo Tribunal Federal decisão sobre a matéria. Com efeito, não houve qualquer determinação por aquela Corte de sobrestamento dos processos que versem sobre a controvérsia objeto do Tema 979. Evidentemente que se, no julgamento do paradigma, o entendimento do STF em matéria eleitoral for diverso do fixado por este Tribunal, o que vier a ser decidido pela Suprema Corte será observado por toda a Justiça Eleitoral.
 
Ressalte-se que o paradigma já teve seu julgamento iniciado, sendo suspenso por pedido de vista. Na ocasião, o relator, Min. Dias Toffoli, propôs que a tese de repercussão geral deverá ser aplicada a partir das Eleições 2022, em homenagem ao princípio da segurança jurídica.
 
Com essas considerações, divirjo do voto do relator para negar provimento ao agravo interno, a fim de manter a condenação dos recorrentes pela prática de captação ilícita de sufrágio.
 
O trecho transcrito acima, retirado do voto do ministro Luís Barroso, está voltado para o assunto das gravações ambientais clandestinas, que é o foco do presente artigo. Prosseguindo, em outra oportunidade do debate, o ministro Luís Barroso fez ressalvas quanto à aplicabilidade do art. 8-A inserido na Lei de interceptações telefônicas pela Lei 13.964/2019, pelos seguintes motivos: por entender que se tratava de norma processual e por ser a Lei 13.694/2019 (que inseriu o art. 8-A) superveniente aos fatos objetos do recurso - originários nas eleições 2016 - tal dispositivo não poderia ser aplicado para casos pretéritos, retroativamente.        
 
Após a manifestação do ministro Luís Barroso, o ministro Felipe Salomão pediu vista dos autos por entender que o assunto merecia uma atenção especial. Em 07/10/2021, o ministro Felipe Salomão devolveu o voto-vista alinhando seu entendimento com o do ministro Alexandre de Moraes pela ilicitude da gravação ambiental clandestina, e o fez nos seguintes termos, em síntese:
 
A gravação em ambiente privado, sem autorização judicial e sem conhecimento dos interlocutores, afronta a garantia fundamental da intimidade (art. 5º, X, da CF/88) e ameaça a própria estabilidade do Estado Democrático de Direito (art. 1º). Não raras vezes, a conduta tem como objetivo não a elucidação de suposto ilícito eleitoral, e sim desestabilizar o processo democrático mediante artifícios que visam apenas prejudicar candidatos que se sagraram vencedores do pleito.
 
Realidade com especial e preocupante relevo considerando o número de municípios do país, a maior parte com eleitorado reduzido, o que potencializa tais práticas danosas.
 
No caso, as gravações realizadas nesses moldes devem ser tidas como ilícitas, na linha da tese que se propõe.
 
Acompanha-se o Relator (Ministro Alexandre de Moraes), rogando-se vênias ao Presidente, para dar provimento ao agravo interno e ao recurso especial, julgando-se improcedentes os pedidos.
 
Com o voto do ministro Felipe Salomão, o TSE formou maioria para reativar a jurisprudência anterior, de não aceitar gravações ambientais clandestinas, ou seja, ilícitas, como meio de prova em ações que visam cassação de mandato eletivo. Além disso, todas as provas resultantes dessa prova ilícita também são consideradas ilícitas por derivação.
 
Esse entendimento voltou a ser aplicado dentro do próprio processo eleitoral de 2016, embora o julgamento tenha ocorrido em 07/10/2021.
 
  • Entendimento firmado pelo TSE - Ilicitude da gravação ambiental clandestina
 
Com o desfecho do julgamento do Agravo Regimental, foi restabelecido o entendimento consolidado anterior do TSE no sentido de não aceitar gravações ambientais sem autorização judicial prévia - as conhecidas gravações ambientais clandestinas - em ações eleitorais que visam cassação de mandato eletivo.
 
O TSE - em sintonia com o voto do ministro Dias Toffoli no Tema 979 - sensível às peculiaridades do processo eleitoral, das disputas políticas acirradas e a necessidade de se tentar impedir uma espécie de vale-tudo eleitoral apto a criar uma instabilidade generalizada em todas as esferas de poder (municipal, estadual e federal) optou sabiamente por, ao ponderar alguns princípios possivelmente conflitantes, fazer prevalecer a estabilidade institucional, não autorizando os agentes políticos sair numa corrida insana por tecnologias avançadas capazes de macular um processo eleitoral inteiro, o que retiraria o protagonismo do povo, legítimo detentor do poder, nos termos do art. 1º, parágrafo único, e art. 14 da Constituição Federal.      
 
  • Grampo no ministro Alexandre de Moraes
 
Quando finalizou o julgamento do Agravo Regimental n. 0000293-64, em 07/10/2021, pouco menos de um ano anos das eleições 2022, que ocorreram em 02/10/2022, provavelmente o ministro Alexandre de Moraes, ou qualquer outro ministro do TSE ou STF, jamais imaginasse que poderia ser, ele próprio, vítima de uma gravação ambiental clandestina dentro de um enredo que envolveria justamente um processo eleitoral.
 
Surpreendentemente, um dos argumentos do voto vencedor do ministro Alexandre de Moraes tratou especificamente sobre o uso de tecnologia sofisticada capaz de produzir montagens cada vez mais elaboradas que, inclusive, poderiam estar à frente da tecnologia utilizada pelas instituições públicas, o que poderia tornar válido um conteúdo milimetricamente manipulado.
 
Embora o ministro não tenha falado explicitamente, mas os fundamentos do seu voto também desaguam na técnica conhecida como deepfake[1], que é o uso de inteligência artificial para a produção de conteúdos não reais com a utilização de imagens e áudios.
 
A sociedade brasileira e mundial estão acompanhando as atuais revelações sobre grampos, clonagem e gravações ambientais clandestinas no núcleo do poder central da República Federativa do Brasil, referente ao processo eleitoral de 2022, com surpresa e apreensão, visto que o desenho de ruptura institucional que está sendo descortinado é algo que impacta, seja pelos detalhes pitorescos, seja pelos personagens envolvidos.
 
Levando em conta todos esses fatos relacionados ao núcleo do poder da República, a pergunta que se deixa para o debate é: se foram capazes de tentar implantar escutas ambientais clandestinas, clonagens ou grampos ilícitos em um ministro do Supremo Tribunal Federal, então como ficaria a estabilidade do processo eleitoral nos 5.570 municípios do Brasil, nos 26 estados e no Distrito Federal caso o TSE “autorizasse previamente” o uso de gravações clandestinas para fundamentar ações eleitorais que pedem cassação de mandato eletivo?
 
É certo que o ministro Alexandre de Moraes não é nenhum agente político que pleiteava mandato eletivo num processo eleitoral, de modo a precisar da jurisprudência do TSE, mas o tom provocativo no título do artigo ajuda a chamar atenção para a falta de limites de alguns agentes políticos em busca do poder dentro do processo eleitoral.
 
 

*Cláudio Moraes é advogado, especialista em Direito Eleitoral e Direito Administrativo, já atuou como Procurador-Geral de Município, e é sócio-fundador do escritório Cláudio Moraes Advogados: www.claudiomoraes.adv.br (Instagram: @claudiomoraes.7)

Link
Notícias Relacionadas »
Comentários »
Comentar

*Ao utilizar o sistema de comentários você está de acordo com a POLÍTICA DE PRIVACIDADE do site https://cidadesenegocios.com.br/.
Fale pelo Whatsapp
Atendimento
Precisa de ajuda? Fale conosco pelo Whatsapp