Co-fundadora de Blok Compliance. Sócia da Blok Consultoria Legal. Coord. e profª convidada de Pós Graduações em Direito e Compliance
Em novembro de 2017, a Conferência dos Estados Partes da Convenção da ONU contra a Corrupção adotou a resolução 7/2 sobre “Corruption Involving Vast Quantities of Assets” – isto é, “Corrupção Envolvendo Vastas Quantidades de Ativos” cunhando o conceito de “grand corruption”/”grande corrupção” como tentativa de explicar os casos de corrupção praticados pela então empreiteira Odebrecht (atualmente, denominada “ Novonor”, nome que estrategicamente sucedeu o da Odebrecht iniciando com o termo “novo” buscando uma renovação frente ás consequências negativas perpetradas pela Odebrecht e seguido de “nor”, as iniciais do fundador, o sr Norberto Odebrecht) .
O caso Odebrecht, cuja dimensão o mundo conheceu em 21 de dezembro de 2016 – data em que o Departamento de Justiça (Department of Justice- DOJ) dos Estados Unidos tornou público um acordo entre a empreiteira e Brasil, EUA e Suíça –, é um exemplo claro de grande corrupção. No acordo no qual a empresa concordou em pagar uma multa de US$ 3,5 bilhões ao DOJ, a Odebrecht admitiu ter pagado, entre 2001 e 2016, a soma de US$ 788 milhões em propina a funcionários de governos, representantes desses funcionários e partidos políticos do Brasil e de outros onze países, sendo dois na África (Angola e Moçambique) e nove na América Latina (Argentina, Colômbia, Equador, Peru, Venezuela, Guatemala, México, Panamá e República Dominicana) de forma a proliferar a corrupção no Brasil e em tantos outros países ao redor do mundo.
Nessa mesma época, a Odebrecht, atendendo às sanções da Lei Anticorrupção Brasileira (a qual completou 10 anos de existência no dia 01 de agosto de 2023, mas, infelizmente, não temos muito para comemorar, dada a continuidade e quiçás, aumento da corrupção em nosso país), publicou, em jornal de grande circulação, sua sentença condenatória e admitiu ter praticado lavagem de dinheiro, conluio, corrupção, fraude, cartel em licitações, suborno e tantos outros ilícitos civis, administrativos, econômicos e criminais. Sua reputação e sua credibilidade ficaram profundamente abaladas e a empresa foi obrigada a passar pelo crivo de importante e séria Monitoria Independente exigida pelo DOJ.
Mas, de forma contrária ao que ocorreu em novembro de 2018, quando o ministro José Antônio Dias Toffoli afirmou, de forma categórica, que a prisão do então ex-Presidente Lula respeitou a Constituição Federal e o seu devido processo legal, como em um passe de mágica, no maior strike de todos os tempos, tudo isso foi desconsiderado por ele, por meio de decisão monocrática, como se tudo não passasse de um pesadelo ou se nada tivesse acontecido.
Recorde-se que o referido Ministro ganhou “de presente” (e que presente!) do atual presidente Lula o cargo de Advogado-Geral da União, em sua primeira passagem pelo governo, e foi nomeado por ele para o STF, apesar de ser sido reprovado duas vezes no concurso para Juiz de Direito.
Em resposta a um pedido de extensão na Reclamação (RCL) 43007 impetrada pelo atual ministro do STF (o sr Zanin, ex advogado particular de Lula, quem o indicou com claro conflito de interesses pessoais), conferiu-se em definitivo, isto é, sem a necessidade de decisão colegiada posterior dos outros ministros caso não haja recurso e com efeitos “erga omnes” (para todos), a imprestabilidade das provas e demais elementos obtidos a partir do acordo de leniência da Odebrecht “em qualquer âmbito ou grau de jurisdição”.
Claro que a referida “campeã” anulação de provas buscou favorecer ao próprio Toffoli, mais especificamente, a porção que trata das negociações ocorridas, em 2017, com o então comandante da AGU (isso mesmo, o ilustre Toffoli) sobre temas envolvendo a disputa da construção da usina de Santo Antônio, no Madeira, vencida pela Odebrecht, com a anuência (termo bastante eufemístico) do amigo (sim: o sr Toffoli) do amigo (o presidente Lula) do pai do Marcelo Odebrecht- o sr Emílio Odebrecht. Ou seja, o famoso “amigo do amigo do meu pai” é personificado pelo Ministro Toffoli.
Tudo isso foi esclarecido pela própria Odebrecht na data de 09 de abril de 2019, no curso do Acordo de Leniência da empresa. Inclusive, a publicação deste fato pela revista Cruzoé no dia 15 de abril de 2019 (6 dias após a ciência do fato) foi censurada pelo Toffoli e a notícia teve que sair do ar. Relembre-se que a censura é proibida no Brasil e em todos os países democráticos).
Neste diapasão, dúvidas não remanescem sobre a impedimento do sr Dias Toffoli ao proferir todo e qualquer tipo de decisão- peremptória- acerca da Odebrecht e de seu acordo de leniência.
Eis que, no Brasil, grande país da impunidade, tudo pode. O sr Toffoli entendeu, de forma individual/monocrática que uma ou mais provam eram ilícitas e portanto “imprestáveis” para se chegar ao acordo de leniência da Odebrecht, contaminando, pois, TODAS as provas, visto comporem uma cadeia de custódia devendo ser, portanto, desconsideradas todas aquelas que foram utilizadas em outros acordos de leniência e colaborações premiadas (de réus confessos) e utilizadas como meios de investigação de processos administrativos de responsabilização pelas Controladorias Gerais do Município, do Estado e da União.
Ora, se, por acaso houve falha na produção de uma ou mais provas e/ou não se atendeu integralmente ao devido processo legal, digna de elogios a nota da Transparência Internacional, no sentido de que quando se descobre um vazamento em um cano, conserta-se o encanamento, ao invés de demolir o prédio inteiro.
E o que é pior: ao arrepio da lei, toda essa nova imprestabilidade das provas e a “brilhante” conclusão de que a prisão de Lula representou um dos maiores “erros judiciários da história brasileira”, tendo sido considerada uma “grande armação” e “o verdadeiro ovo da serpente aos ataques à democracia” (e não ao combate à corrupção perpetrada por ele e por tantos outros agentes públicos e privados) decorreu de um acesso ilegal, leia-se, ilícito, do telegram de alguns procuradores da Lava Jato por meio de um hacker/criminoso que houvera sido acusado a 20 anos de prisão no âmbito da Operação Vaza Jato e que, inclusive, está preso, atualmente.
Toffoli considerou ainda que o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) do Ministério da Justiça informou que não foi encontrado registro de pedido de cooperação jurídica internacional para instrução do processo em que foi homologado o acordo de leniência da Odebrecht nem pedido de cooperação ativo apresentado por autoridade brasileira para fins de recebimento do conteúdo dos sistemas Drousys (usado pelo setor de Operações Estruturadas da empresa para controlar os pagamentos de propina a autoridades e políticos) e My Web Day B. Deve ter sido tudo uma armação e uma invenção!
Trata-se o DRCI de órgão do poder executivo ligado ao Ministério da Justiça. Não é ele quem julga e nem quem avalia as provas. O ministro Toffoli deveria saber que tal cooperação jurídica internacional se trata de um modo formal de solicitar a outro país alguma medida judicial, investigativa ou administrativa necessária para um caso concreto em andamento.
Segundo Elise Brites, “a efetividade da justiça, dentro de um cenário de intensificação das relações entre as nações e seus povos, seja no âmbito comercial, migratório ou informacional, demanda cada vez mais um Estado proativo e colaborativo. As relações jurídicas não se processam mais unicamente dentro de um só Estado Soberano, pelo contrário, é necessário cooperar e pedir a cooperação de outros Estados para que se satisfaçam as pretensões por justiça do indivíduo e da sociedade”.
É de se denotar que para a investigação do eminente caso de “grand corruption” da Odebrecht foram fundamentais os acordos de cooperação internacional. Em 2017 e 2018, os nove países da América Latina enviaram, juntos, 118 pedidos de cooperação para autoridades brasileiras: 68 para o Peru, 18 para o Panamá, 12 para a Argentina. A título de ilustração, segundo reportagem do Jota, importante mídia jurídica brasileira, datada de 29.05.2019, houve (no período de 2017 e 2018), 8 pedidos de compartilhamento de provas, 5 com o Panamá, 4 com a Argentina, 1 com o México e igual número com Venezuela, Guatemala e República Dominicana, ademais de 11 pedidos de obtenção de provas com a Argentina, Peru e Panamá em cada país e 2 pedidos com o México, República Dominicana e Colômbia. Pelo exposto, esta anulação arbitrária de todas as provas entregues pela Odebrecht, no Brasil e no mundo, alcança não somente todas estas nações como também contamina todas aquelas utilizadas para investigações penais e administrativas de outras empresas.
Dito de forma clara, estar-se-ia absolvendo não somente estas pessoas jurídicas, como tantos outras pessoas físicas que foram réus confessos e realizaram colaborações premiadas: algo em torno de R$25 bilhões que foram devolvidos aos cofres públicos (tendo sido, R$3,9 bilhões o valor que as empreiteiras admitiram dever ao Estado no caso da Odebrecht ) e após esta decisão nefasta, não mais precisarão ser pagas e/ou o Erário e outros órgãos federais teriam que devolver a esses “coitadinhos” (reitera-se, confessos). E com juros e correção monetária.
Mas como ficaria a questão da restituição dos elevados valores pagos pela Petrobras (em casos de projetos com a Odebrecht), por exemplo, ao Department of Justice Norte Americano e aos acionistas estrangeiros detentores de valores mobiliários dessa sociedade de economia mista listada na Bolsa de Nova York e que compuseram as class actions? Por certo, estes valores não serão devolvidos!
Vale lembrar que as provas colhidas no âmbito da Operação Lava Jato , incluindo-se, aqui , as demonstradas por livre e espontânea vontade por parte das empresas (e não por livre e espontânea pressão, como se tivesse havido alguma “tortura” a determinada pessoa jurídica/empresa, que nem pessoa tangível/tocável é), foram validadas pelo STF (o qual, inclusive, homologou o acordo de delação da Odebrecht) e pelos juízes da primeira instância, mas só agora a legitimidade e licitude delas foi questionada e posta para revisão gerando uma insegurança jurídica sem precedentes.
Cabe ressaltar que todos os acordos de leniência e os procedimentos adotados pela abolida e extinta força tarefa da Lava Jato, na mesma esteira, passaram pelo escrutínio das corregedorias do Ministério Público e das Controladorias Gerais do Município e do Estado. O devido processo legal foi integralmente cumprido no caso da prisão do presidente Lula e no caso do acordo de leniência da Odebrecht: as provas foram analisadas pelos poderes judiciários dos respectivos países, as cooperações jurídicas internacionais cumpririam diligentemente seus papeis de receberem e enviarem os documentos atendendo a um “checklist” antecipadamente conhecido e reconhecido pelas partes, sem o papel e poder de analisar e apreciar a veracidade das provas, poder este atribuído aos poderes judiciários e policiais e não ao poder executivo.
Não satisfeito, ademais da tentativa dolosa de se passar uma borracha “mágica” capaz de se apagar os milhares de crimes e outros ilícitos civis e administrativos cometidos por agentes nacionais e internacionais e por empresas de distintas nacionalidades, segmentos e portes, minando os anos e anos de combate à corrupção no Brasil e no mundo, o inspirado ministro Dias Toffoli determinou, de forma unilateral e arbitrária, que todos os órgãos envolvidos nos acordos de leniência fossem alvo de investigações para apurar eventuais danos à União.
Nesse sentido, segundo o portal do STF, foram oficiados a Procuradoria-Geral da República (PGR), Ministérios das Relações Exteriores e da Justiça, Controladoria-Geral da União (CGU), Tribunal de Contas da União (TCU), Receita Federal do Brasil, Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e a Advocacia-Geral da União(contemplando, aqui, inclusive, o atual ministro do STF e ex-chefe da AGU, o sr André Mendonça, quem foi parte ativa nos acordos de leniência da Odebrecht , e se vangloriou em entrevista em abril de 2019 da atuante participação da AGU na celebração de outros acordos).
Pelo exposto, constata-se que essa decisão, de forma assustadoramente temerária, enterrou todos os anos e esforços de milhões de agentes no Brasil e no mundo. O país deveria estar de luto pelo enfraquecimento e futura morte do combate à corrupção e pelo prêmio à impunidade.
“Não se pode alegar combater a corrupção cometendo ilegalidades”. O autor desta frase, o sr Gilmar Mendes e todo os colegas da mais alta Corte de nosso país, deveria(m) pôr em prática o que fala(m). Integridade representa a coerência e coadunação entre o que se fala e o que se faz. Quando a integridade é esquecida e a corrupção assola a cúpula do poder e o poder mais supremo de nosso país- o STF- não temos mais a quem recorrer. Este, lamentavelmente vem se tornado o escritório particular do Presidente da República.