Advogado especialista em Direito Administrativo e Direito Eleitoral, sócio-fundador do escritório Cláudio Moraes Advogados: www.claudiomoraes.adv.br
Conforme dados apresentados pelo Ipea, as compras governamentais representam cerca de 12,5 % do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro. Esse expressivo número evidencia a importância desse segmento para a economia nacional, cuja exploração é realizada, em regra, pelas empresas nacionais.
Para se ter uma ideia do volume de recursos públicos investidos nas compras governamentais, somente o Governo Federal, no primeiro trimestre de 2023, já possui 59 bilhões de valores homologados em compras, e 17 bilhões em valores homologados em compras para ME/EPP (Microempresas e Empresa de Pequeno Porte), em 66 mil processos de compras, conforme dados do Portal de Compras do Governo Federal.
Não é à toa que a União Europeia está cobiçando fortemente essa importante fatia do mercado brasileiro e promove uma intensa pressão sobre o Brasil para que o bloco do Mercosul autorize as empresas da União Europeia a participarem de licitações em países sul-americanos em igualdade de condições com as empresas locais, e as empresas do Mercosul também teriam “igualdade de condições” nas licitações europeias.
Um acordo entre Mercosul e União Europeia é debatido desde 1999, e em 2019, durante o Governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, houve a conclusão da parte comercial desse acordo, e o então presidente do Brasil aceitou abrir as compras governamentais brasileiras às empresas europeias.
Contudo, ao assumir o Governo neste ano de 2023, o atual presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, apresentou uma contraproposta aos europeus e pediu revisão sobre esse ponto específico do acordo com a União Europeia por entender que abrir as compras governamentais às empresas europeias vai prejudicar consideravelmente as empresas nacionais, especialmente alguns setores que possuem como cliente principal a Administração Pública.
Em outras palavras, as empresas brasileiras correm o risco de perder a (quase) exclusividade de explorar essa enorme fatia do mercado brasileiro, passando a disputar as licitações públicas com as empresas da União Europeia em “igualdade de condições”, ou seja, sem qualquer privilégio para as empresas nacionais.
Há quem defenda que essa abertura traria mais competitividade, redução de custo à Administração Pública e menos desvios de recursos públicos pelo fato de as empresas europeias estarem sob forte controle de compliance em seus países de origem.
Seja como for, o certo é que o processo de contratação pública no Brasil precisa sofrer forte processo de democratização e maior atenção dos órgãos fiscalizadores para que as compras governamentais consigam aumentar os índices de eficiência e efetividade desejados, e a sociedade possa obter maiores vantagens no retorno dos seus impostos.
Ofertar serviços e obras públicas de qualidade e com a celeridade que as demandas da sociedade exigem não pode ser algo inatingível, como é atualmente.
É lamentável que popularmente o conceito de “coisa pública” ainda esteja atrelado a algo sem qualidade, imprestável, ineficiente, bagunçado, sem valor, cujo atendimento ao público é aquele mais precário possível, sacrificando especialmente a vida das pessoas mais vulneráveis socialmente.
Já passou da hora de dar um basta nessa realidade. E para que isso aconteça é preciso a união de forças de todos aqueles que podem contribuir de alguma forma, incluindo mandatários, assessoria técnica, iniciativa privada, órgãos de controle, incluindo o Judiciário, e a sociedade.
Processos licitatórios demasiadamente longos - muitas vezes esticados também por conta de decretos estabelecendo “pontos facultativos (que não verdade são obrigatórios)” após um feriado durante a semana - definitivamente vão na contramão dos interesses públicos.
É sempre importante ter em mente que o serviço público precisa ser tocado por quem tem vocação. Caso contrário, as pessoas que ocupam qualquer tipo de função na Administração Pública sem a devida vocação serão apenas mais um peso morto e um custo pago inutilmente pela sociedade.
Ao analisar alguns processos licitatórios em determinados portais da transparência pelo Brasil afora constata-se rapidamente incontáveis situações inusitadas que se houvesse uma visita dos órgãos fiscalizadores fatalmente o Judiciário seria acionado, dada a fragilidade técnica dos procedimentos administrativos.
A questão é que essa fragilidade técnica nos procedimentos de contratação pública tem como uma de suas origens a falta de capacitação permanente de todos aqueles que, de alguma forma, participam do processo licitatório daquele órgão ou entidade, começando pelo gestor da pasta.
Mas o resultado dessa falta de responsabilidade com a formação permanente das equipes é a assinatura de contratos administrativos frágeis, com alta insegurança jurídica, os quais, ao final, se questionados judicialmente, resultarão em mais prejuízos à sociedade, que continuará tendo fortes motivos para permanecer com aquele conceito negativo de ineficiência da Administração Pública.
Caso se efetive a abertura do mercado nacional de compras públicas aos europeus, será interessante ver a postura deles nessa relação público-privada à moda brasileira, e as consequências que isso deve gerar nos padrões técnicos da Administração Pública nacional.