26/11/2023 às 13h49min - Atualizada em 26/11/2023 às 13h49min

A cobiça da União Europeia pelas compras governamentais brasileiras e a qualidade dos processos de compras públicas

Licitações em debate

Cláudio Moraes

Cláudio Moraes

Advogado especialista em Direito Administrativo e Direito Eleitoral, sócio-fundador do escritório Cláudio Moraes Advogados: www.claudiomoraes.adv.br

Conforme dados apresentados pelo Ipea, as compras governamentais representam cerca de 12,5 % do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro. Esse expressivo número evidencia a importância desse segmento para a economia nacional, cuja exploração é realizada, em regra, pelas empresas nacionais.

Para se ter uma ideia do volume de recursos públicos investidos nas compras governamentais, somente o Governo Federal, no primeiro trimestre de 2023, já possui 59 bilhões de valores homologados em compras, e 17 bilhões em valores homologados em compras para ME/EPP (Microempresas e Empresa de Pequeno Porte), em 66 mil processos de compras, conforme dados do Portal de Compras do Governo Federal.



Não é à toa que a União Europeia está cobiçando fortemente essa importante fatia do mercado brasileiro e promove uma intensa pressão sobre o Brasil para que o bloco do Mercosul autorize as empresas da União Europeia a participarem de licitações em países sul-americanos em igualdade de condições com as empresas locais, e as empresas do Mercosul também teriam “igualdade de condições” nas licitações europeias.

Um acordo entre Mercosul e União Europeia é debatido desde 1999, e em 2019, durante o Governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, houve a conclusão da parte comercial desse acordo, e o então presidente do Brasil aceitou abrir as compras governamentais brasileiras às empresas europeias.

Contudo, ao assumir o Governo neste ano de 2023, o atual presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, apresentou uma contraproposta aos europeus e pediu revisão sobre esse ponto específico do acordo com a União Europeia por entender que abrir as compras governamentais às empresas europeias vai prejudicar consideravelmente as empresas nacionais, especialmente alguns setores que possuem como cliente principal a Administração Pública.

Em outras palavras, as empresas brasileiras correm o risco de perder a (quase) exclusividade de explorar essa enorme fatia do mercado brasileiro, passando a disputar as licitações públicas com as empresas da União Europeia em “igualdade de condições”, ou seja, sem qualquer privilégio para as empresas nacionais.



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Há quem defenda que essa abertura traria mais competitividade, redução de custo à Administração Pública e menos desvios de recursos públicos pelo fato de as empresas europeias estarem sob forte controle de compliance em seus países de origem.

Seja como for, o certo é que o processo de contratação pública no Brasil precisa sofrer forte processo de democratização e maior atenção dos órgãos fiscalizadores para que as compras governamentais consigam aumentar os índices de eficiência e efetividade desejados, e a sociedade possa obter maiores vantagens no retorno dos seus impostos.

Ofertar serviços e obras públicas de qualidade e com a celeridade que as demandas da sociedade exigem não pode ser algo inatingível, como é atualmente.

É lamentável que popularmente o conceito de “coisa pública” ainda esteja atrelado a algo sem qualidade, imprestável, ineficiente, bagunçado, sem valor, cujo atendimento ao público é aquele mais precário possível, sacrificando especialmente a vida das pessoas mais vulneráveis socialmente.

Já passou da hora de dar um basta nessa realidade. E para que isso aconteça é preciso a união de forças de todos aqueles que podem contribuir de alguma forma, incluindo mandatários, assessoria técnica, iniciativa privada, órgãos de controle, incluindo o Judiciário, e a sociedade.

Processos licitatórios demasiadamente longos - muitas vezes esticados também por conta de decretos estabelecendo “pontos facultativos (que não verdade são obrigatórios)” após um feriado durante a semana - definitivamente vão na contramão dos interesses públicos.

É sempre importante ter em mente que o serviço público precisa ser tocado por quem tem vocação. Caso contrário, as pessoas que ocupam qualquer tipo de função na Administração Pública sem a devida vocação serão apenas mais um peso morto e um custo pago inutilmente pela sociedade.

Ao analisar alguns processos licitatórios em determinados portais da transparência pelo Brasil afora constata-se rapidamente incontáveis situações inusitadas que se houvesse uma visita dos órgãos fiscalizadores fatalmente o Judiciário seria acionado, dada a fragilidade técnica dos procedimentos administrativos.



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A questão é que essa fragilidade técnica nos procedimentos de contratação pública tem como uma de suas origens a falta de capacitação permanente de todos aqueles que, de alguma forma, participam do processo licitatório daquele órgão ou entidade, começando pelo gestor da pasta.

Mas o resultado dessa falta de responsabilidade com a formação permanente das equipes é a assinatura de contratos administrativos frágeis, com alta insegurança jurídica, os quais, ao final, se questionados judicialmente, resultarão em mais prejuízos à sociedade, que continuará tendo fortes motivos para permanecer com aquele conceito negativo de ineficiência da Administração Pública.

Caso se efetive a abertura do mercado nacional de compras públicas aos europeus, será interessante ver a postura deles nessa relação público-privada à moda brasileira, e as consequências que isso deve gerar nos padrões técnicos da Administração Pública nacional.   
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