Co-fundadora de Blok Compliance. Sócia da Blok Consultoria Legal. Coord. e profª convidada de Pós Graduações em Direito e Compliance
O dia 01 de agosto de 2013 representou uma quebra de paradigmas na cultura da integridade e da governança corporativa e pública em nosso país. Nessa data, foi promulgada a Lei 12846/2013 a qual ficou conhecida como Lei Anticorrupção ou Lei da Empresa Limpa representando esta uma grande vitória da democracia, uma vez que o Brasil passou a estar compreendido em um rol de países que respeitam um ambiente de negócio probo e que tenta implementar padrões de negócios diferenciados em termos da qualidade e conduta das empresas.
Esta transcendeu a questão ética e moral, trazendo à tona a necessidade de um efetivo programa de compliance/integridade/conformidade (guardadas suas devidas proporções) com fins de combater um mal que nos assola- a corrupção- a qual representa custos de US$3,6 trilhões anuais e leva a desigualdades sociais, desvio de recursos e outros ilícitos civis, administrativos e criminais.
Assim sendo, mais do que uma obrigação, a instauração da lei anticorrupção – tanto em seu braço externo como no interno, representa, por meio da efetivação do referido programa, uma visão de maior competitividade para as empresas públicas e privadas na medida em que propicia mais transparência, credibilidade, oportunidade de negócios, atração de investimentos e sustentabilidade.
A referida legislação inovou nos seguintes temas:
Foi a primeira legislação do mundo ao prever as fraudes em licitações e outras modalidades de contratos administrativos como “elementos do tipo” (colocou-se entre aspas pelo fato da lei não ser criminal e sim ter natureza civil e administrativa) ademais da corrupção passiva e ativa ocorrida necessariamente, entre a Administração Pública Nacional ou internacional e uma pessoa jurídica (portanto, se o agente corruptor privado for pessoa física, a lei não se aplica a ele)
Adoção de responsabilidade objetiva (isto é, aquela que independe de culpa ou dolo) para as empresas que atuarem de forma corrupta ou fraudulenta, por meio de seus sócios, fornecedores, empregados, colaboradores e afins, trazendo a importância dos processos de “due diligence”(devidas diligências) visando conhecer seus antecedentes e evitar referidas contratações as quais poderiam ser nocivas às empresas contratantes
Solidariedade (responsabilidade conjunta) entre as empresas resultantes de fusão, incorporação , cisão ou de outras formas de reorganização societária
Elevadas multas de 0,1 % a 20% do faturamento global anual da empresa ou com intervalos gigantescos: entre R$6.000,00 (seis mil reais que não serviriam de desestímulo nem a uma pessoa fisica, o que dirá a uma pessoa jurídica!) a R$ 60 milhões- valor este que poderia ensejar até a recuperação judicial da empresa;
Sanções administrativas como publicação de decisão condenatória em jornal de grande circulação e sançoes judiciais como dissolução compulsória da pessoa jurídica (fechamento da empresa), suspensão ou interdição parcial de suas atividades, perda dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente do cometimento da infração, proibição de receber incentivos, subsídios, doações ou empréstimos de órgãos públicos, dentre outros.
Inclusão das empresas condenadas em processos administrativos de responsabilização (PAR) em listas “sujas” ou restritivas como o CEIS (cadastros de empresas inidôneas e suspensas que fraudaram procedimento administrativo e ficam proibidas de ingressar em novas licitaçoes pelo prazo de 5 anos) e no CNEP (Cadastro Nacional de Empresas Punidas e que ficam impedidas de realizar novos acordos de leniência)
Ressalte-se ser impossivel nos atermos à Lei Anticorrupção sem atentarmos ao seu vetusto Decreto Regulamentador 8420 de 2015 o qual foi revogado integralmente pelo Decreto 11.129 de 18.07.2022 o qual alterou a forma de dosimetria da pena passando a considerar a demonstração efetiva do programa de integridade como forma e redução de até 5% das multas a serem aplicada às empresas que incorrerem nos atos ilícitos vedados pela referida lei.
Os requisitos mínimos para a efetividade deste programa de integridade vêm arrolados em seu artigo 57 (antigo artigo 42 do Decreto 8420 referido supra) o qual deu especial importância à questão da cultura de integridade e da gestão de riscos de corrupção, fraudes, jurídicos, operacionais e reputacionais, por meio de sua identificação mitigação, correção através de políticas e procedimentos, controles internos, registros periódicos, utilização de canais de comunicação e de denúncias, investigações internas, dentre outros.
Na mesma trilha, novas leis estaduais como a Lei 7753/2017 do Rio de Janeiro, Lei 6308/2019 do Distrito Federal, Lei 16772/2019 de Pernambuco, Lei 15.228/2019 do Rio Grande do Sul, Lei 4730/2018 do Amazonas, Lei 6050/2018 de Vila Velha (Espírito Santo), ademais da nova Lei de Licitações Federal- a Lei 14133/2021- “beberam da fonte” da Lei 12846/2013 e do antigo Decreto Regulamentador ao exigirem a demonstração efetiva do Programa de Integridade com os requisitos mínimos semelhantes aos exigidos pelo Decreto 8420/2015 para que determinadas empresas possam concorrer em certames licitatórios acima de determinados valores e de distintas modalidades (em sua maioria, pregões eletrônicos).
Ressalte-se, ainda, que a Lei Anticorrupção serviu de fonte de inspiração para Lei 13.303/2016 conhecida como a Lei das Estatais a qual prevê normas de governança, gestão de riscos e controles internos, bem como para o Decreto Federal 9203/2017 o qual dispõe sobre a política de governança da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.
Ao longo destes 10 anos de advento da Lei , esta não foi aplicada da forma que os legisladores e a própria sociedade esperavam. Mas houve progressos. Entre 2017 e 2022, foram celebrados 25 acordos de leniência com a restituição de R$18,3 bilhões aos cofres públicos. Além disso, um número expressivo de 1667 processos administrativos de responsabilização (PAR) foram instaurados pela CGU representando um aumento de 292% na quantidade destes PAR desde 2020.
No que toca aos pontos e necessidades de melhoria, sem a menor sombra de dúvidas, deve ser levada em consideração a necessária coordenação entre o Ministério Público e a Controladoria Geral da União (o órgão fiscalizador dos atos proibidos pela Lei e responsável pela celebração de acordos de leniência e de instauração de processos administrativos de responsabilização) e suas respectivas Corregedorias dos Estados (CGE) e dos Municípios (CGM) as quais podem aplicar multas e sanções de forma cumulativa com fins de maior harmonização dos processos e da dosimetria da pena (vide recente calculadora presente no sítio eletrônico/site da CGU a qual pode ser de grande contribuição para o cálculo exato das multas e pelos valores a serem restituídos aos órgãos públicos em sede de acordo de leniência) . Isso porque, não raras vezes, há uma verdadeira sobreposição entre os trabalhos efetuados pelo órgão administrativo e de conformidade (e não necessariamente criminal: CGU/CGE/CGM) e a autoridade de acusação na esfera judicial criminal (o Ministério Público), sobretudo, no que toca à obtenção de provas e ao efeito dissuasório de seus processos. Dito de outra forma, os acordos de leniência, por exemplo, poderiam e deveriam ser celebrados em maior número e com mais celeridade se houvesse uma maior coordenação
Outro importante desafio a ser alcançado pelas empresas que já contam, em menor ou maior grau, com o Programa de Compliance, refere-se à sua maturidade. Prova disso é a pesquisa realizada pela Quest demonstrando que 95% dos entrevistados que atuam nas 100 das maiores empresas brasileiras aprovam a lei anticorrupção, mas que para 91% dos participantes, os sistemas de integridade nas empresas brasileiras, hoje, são “imaturos” e que somente 54% acham que os profissionais de compliance tem autonomia, segurança e apoio em suas respectivas empresas, enquanto em 2% delas, eles sequer têm apoio.
Por outro lado, dentre as novidades decorrentes da crescente importância dada à Lei 12846 (afinal, as leis não “pegam” de forma imediata), pode-se ressaltar a tão aclamada cooperação com o BNDES, empresa pública esta que passou a exigir das empresas que buscam financiamento e subsídio de tal banco, a demonstração efetiva do programa de integridade (recorde-se que todas as pessoas jurídicas deveriam contar com esse programa, independentemente de seu porte societário, faturamento e tamanho, incluindo-se aqui, pois, as pequenas e médias empresas- PMEs).
Inclusive, no que se refere às pequenas e médias empresas- as que mais geram empregos em nosso país, ao contrário do antigo Decreto 8420 o qual eximia determinados itens (sete incisos dentre um rol de quinze incisos listados de forma exemplificativa pelo artigo 42 cumulados com seus parágrafos terceiro e quinto), o Decreto 11.129 não mais o faz. Quer dizer: essas PMEs devem atentar a todos os itens/incisos do novel artigo 57 (o qual equivalia ao artigo 42 do Decreto 8420) mas em menor proporção e complexidade. O Sebrae, nesse sentido, tem feito um importante trabalho de educação e capacitação a essas empresas em termos de implementação do referido programa.
Como já conhecido no famoso jargão popular, é melhor prevenir que remediar, isto é, o programa de integridade preventivo evita riscos de diversos tipos, bem como sanções administrativas e judiciais e multas, enquanto o programa implementado de forma “forçosa” como necessidade de cumprimento a um acordo de leniência pode representar um valor bem mais elevado, visto que as sanções e multas já foram aplicados.
Pelo exposto, observa-se que não obstante a Lei Anticorrupção tenha passado por alguns avanços tal como o combate à corrupção nacional e internacional de acordo com as melhores práticas nacionais e internacionaisn em consonância com as as diretrizes da OCDE e do Pacto Global da ONU, tendo servido de mola propulsora para o advento de leis estaduais e federais, os programas de integridade ainda precisam ser mais maduros e a cultura de integridade deve ser cada vez mais disseminada a uma maior parcela da sociedade.