16/06/2023 às 13h39min - Atualizada em 16/06/2023 às 13h39min

A ousadia da câmara dos deputados em aprovar projeto de lei de criminalização contra pessoas expostas politicamente (PEPs)

O projeto tenta tipificar como crime a não contratação de PEPs e a negativa de aberturas de contas bancárias, mas não é bem isso o que acontece na prática.

Marcella Blok

Marcella Blok

Co-fundadora de Blok Compliance. Sócia da Blok Consultoria Legal. Coord. e profª convidada de Pós Graduações em Direito e Compliance

Câmara dos Deputados
A Câmara dos Deputados, no dia 15 de junho de 2023, por 262 votos a favor contra 163 contra (portanto, houve mais que o dobro dos votos a favor) aprovou um projeto de lei que criminaliza o ato de "discriminação contra pessoas politicamente expostas". Este foi capitaneado pela deputada, Daniela Cunha (filha do ex-presidente da Câmara dos Deputados- Eduardo Cunha -quem foi condenado em 2017 por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas e em 2020, recebeu uma segunda condenação no âmbito da operação Lava Jato, em primeira instância, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.)

Em números absolutos, os cinco partidos que mais votaram em favor da proposta foram PT (43 votos), PL (37), União Brasil (35), Republicanos (27) e MDB (24). Os cinco partidos com mais votos contra foram: PL (44), União Brasil (16), PP (13), PT (11) e PSD (11).

As duas situações consideradas crime, com pena de 2 a 4 anos de prisão (pena privativa de liberdade) e multa, segundo o texto aprovado pelos deputados, são:
  • Negar emprego em empresa privada somente em razão da condição de pessoa politicamente exposta;
  • No caso de instituições financeiras, negar a abertura de conta corrente, concessão de crédito ou de outro serviço a qualquer pessoa física ou jurídica que seja "politicamente exposta".
Ocorre que, no dia a dia das organizações, não é bem assim. Os autores do projeto lei (e todos aqueles que a aprovaram) “esqueceram-se” do fato de que  essas pessoas expostas politicamente representam verdadeiros “red flags” (sinais de alerta, bandeiras vermelhas) justamente por estarem mais propensas a agir de forma corrupta ou fraudulenta, levando-se em consideração a responsabilidade objetiva (independente de culpa ou dolo) imposta pela Lei Anticorrupção Brasileira, a qual considera que a interação com órgãos públicos seja um agravante de pena de uma multa que pode se chegar a R$60 milhões ou a até 20% do faturamento global anual da empresa e exige que para que o programa de compliance possa ser considerado efetivo , devem ser demonstrados procedimentos específicos para prevenir fraudes e ilícitos no âmbito de processos licitatórios, na execução de contratos administrativos ou em qualquer interação com o setor público.

 Assim sendo, as empresas devem resguardar-se ao máximo de responderem pelos atos de seus terceiros: (i) fornecedores(como despachantes e parceiros comerciais que oferecem propinas), (ii) sócios (afinal, via de regra, não queremos associarmos a pessoas consideradas mais perigosas, quem poderiam contaminar a nossa reputação e a da nossa empresa), (iii) empregados e colaboradores quem personificam a empresa e se forem corruptos, deixarão de  atrair clientes  e (iv)  os próprios clientes que sejam pessoas consideradas expostas politicamente.

Explica-se: por sua “periculosidade”, estas pessoas podem representar maiores riscos de reputação da empresa contratante, seja pelo mau uso de sua marca e imagem e pelo alto valor a ser pago em decorrencia da responsabilidade objetiva podem perdurar por mais de 5 anos, seja pelos riscos fiscais advindos da omissão de registros ou patrimônios e de outras informações relevantes, ademais do aumento da dívida pública.

Assim sendo, diferentemente do previsto no projeto de lei, as empresas privadas NÃO negam emprego somente em razão da condição de pessoa politicamente exposta, mas sim por preferirem contratar pessoas que representam menos riscos para elas. Trata-se de decisão cautelosa.

“Olvidou-se” também de se considerar no referido projeto de lei que as pessoas politicamente expostas poderiam vir a cometer mais práticas de lavagem de dinheiro e corrupção/ suborno/propina. Por esse simples fato, a própria Controladoria Geral da União adota uma lista de pessoas que são PEPs e das empresas que foram punidas por estes tipos de crime e que foram consideradas inidôneas e suspensas de participar de licitações, bem como de celebrar contratos administrativos. A recíproca é verdadeira no que toca às diretrizes da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA) e aos regulamentos do COAF, da CVM e de outros órgãos reguladores.

Por isto, tais PEPs, devem passar por um filtro maior no momento de transacionarem com instituições financeiras mas não são proibidas de abrirem contas bancárias, receber empréstimos e afins. Elas,simplesmente, passam por uma due diligence (diligência prévia, sobretudo de “conheça o seu cliente- KYC- Know your cliente/consumer) mais rigorosa.

Mas quem são as PEPs? Na esteira da Legislação de Lavagem de Dinheiro, o projeto de lei considera pessoas politicamente expostas "todas aquelas que, nos últimos cinco anos, exercem ou exerceram, no Brasil ou no exterior, algum cargo, emprego ou função pública relevante ou se têm, nessas condições, familiares, representantes ou ainda pessoas de seu relacionamento próximo", tais como i) os detentores de mandatos eletivos dos Poderes Legislativo e Executivo da União, (ii) Membros do Poder Executivo da União, do CNJ, STF, TRT, TST, TRE, TCU,TRF das Procuradorias Estaduais e Municipais, Prefeitos, governadores, chefes de estado no exterior, bem como políticos de altos escalões, dirigentes de partidos políticos, dentre outros.

Inclusive, a Recente Circular 3978/2020 do Banco Central (a qual dispõe sobre a política, os procedimentos e os controles internos a serem adotados pelas instituições financeiras visando prevenir lavagem de capitais, na mesma esteira do que conta na Circular 50 da CVM e na Instrução 612 da Susep e de Resoluções do COAF), com fins de promover maior aprimoramento à abordagem de risco, ampliou as regras sobre quem é uma PEP, passando a incluir deputados estaduais e vereadores, parentes de segundo grau (e não mais de primeiro grau desses indivíduos e pessoas ligadas a eles e, inclusive, em linha colateral como irmãos, e cunhados e não somente na linha vertical como enteados, filhos, netos, ademais dos cônjuges quem não são parentes) US$ 3.600.000.000.000,00 (três trilhões e seiscentos bilhões de dólares, valor este que representa 5% do Produto Interno Bruto- PIB- mundial): este é o custo anual que práticas como suborno, lavagem de dinheiro, evasão fiscal e favoritismo geram para a economia global todos os anos e aproximadamente US$ 274 bilhões somente em custos de prevenção à lavagem de dinheiro decorrentes de aumento de US$ 60 bilhões, ou mais de 25% entre os anos de 2020 e 2022. Esta quantia foi divulgada pela Organização das Nações Unidas (ONU), que analisou os custos gerados  em todo o mundo, apontando que o Brasil perde cerca de R$ 200 bilhões com esquemas de corrupção por ano, montante esse que deveria ser investido em serviços públicos e outros , prejudicando, pois, o  crescimento da economia e aumentando a desigualdade social. 

Por motivos óbvios, os (únicos) culpados por esses valores astronômicos não são as pessoas expostas politicamente, mas  pela própria natureza e pelo poder de influência inerente às cargas das PEPs, os riscos de práticas de corrupção e lavagem de dinheiro  são potencializados.

Relembre-se que, no Brasil, de  forma distinta do que acontece em outros países . um indivíduo só será considerado PEP durante o periodo de 5 anos a contar do fim do seu mandato, pois considera-se que após esse interregno de tempo, seu poder de influência diminuiria. Mas os riscos sofridos pela empresa perduram por mais tempo

Destaquemos que, no sistema norte-americano, um dos mais combativos em termos de lavagem de dinheiro e corrupção/suborno: “Once a PEP, Always a PEP”, ou seja, uma vez pessoa exposta politicamente, ela SEMPRE (será considerada PEP). Ora, se no Brasil, o tempo é de somente 5 anos, nosso país sempre foi “bonzinho”, mas caso esse projeto de lei seja aprovado pelo Senado, passará a ser “bobinho”.

Pelo exposto, fácil concluir não haver discriminação alguma com as PEPs e, por conseguinte, não há razão para criminalizar ou induzir a erro a população. Não há ilícito algum no rigor da contratação de PEPs e com PEPs. E mesmo se houvesse, porventura, algum excesso, este não é passível de crime. Trata-se de parcimônia.
Link
Leia Também »
Comentários »
Comentar

*Ao utilizar o sistema de comentários você está de acordo com a POLÍTICA DE PRIVACIDADE do site https://cidadesenegocios.com.br/.
Fale pelo Whatsapp
Atendimento
Precisa de ajuda? Fale conosco pelo Whatsapp