10/03/2023 às 12h02min - Atualizada em 10/03/2023 às 12h02min

Novas alternativas para a recuperação judicial de créditos: a constitucionalidade das medidas executivas atípicas

Co-autoria: Daniela Harrop

Gabrielly Diniz

Gabrielly Diniz

Advogada Cível e Empresarial da Mendes Advocacia & Consultoria

Em um cenário de dificuldades para a recuperação de crédito pela via judicial, recentemente houve uma decisão do STF que renova as esperanças na efetividade da prestação jurisdicional.
 
No dia 9 de fevereiro de 2023 o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade dos artigos do Código de Processo Civil que versam sobre as medidas executivas atípicas.
 
Essas medidas são instrumentos que possibilitam aos juízes utilizarem-se de estratégias criativas, além das previstas em lei, para assegurar o cumprimento das decisões judiciais e das execuções de créditos em favor dos credores.
 
A principal característica das medidas executivas atípicas é a sua subsidiariedade frente aos instrumentos típicos. Isso quer dizer que as medidas só podem ser utilizadas se houver claros indícios e que o devedor tem recursos para cumprir a obrigação, bem como haver comprovação do esgotamento dos meios típicos de satisfação do crédito (REsp n. 1.788.950/MT - STJ). Portanto, a utilização de medidas executivas atípicas é a última alternativa dada ao credor para tentar compelir devedor de cumprir com a determinação judicial.
 
Em contrapartida ao argumento de que tais dispositivos violariam diretos fundamentais e atravessariam etapas do processo, os ministros do Supremo levantaram a tese de que as medidas garantem a efetividade das decisões judiciais, se utilizadas em respeito aos limites constitucionais. Elas visam aliar o princípio processual de que as partes têm o direito de alcançar a solução da demanda ajuizada, incluindo a parte satisfativa (art. 4º do CPC) e os princípios do devido processo legal (art. 5º, LIV, da Constituição Federal), do contraditório (art. 5º, LV, da Constituição Federal) e da dignidade da pessoa humana.
 
O artigo 139, inciso IV do Código de Processo Civil autoriza a utilização de medidas coercitivas cabendo ao juiz determinar quais delas são compatíveis com cada caso. Portanto, a prática nos tribunais vem se consolidando a respeito de algumas medidas consideradas para os fins do artigo: 1) suspensão da CNH; 2) apreensão de passaporte; 3) cancelamento dos cartões de crédito; 4) penhora do percentual de 10% da remuneração do réu, 5) proibição de participação em concursos e em licitações públicas; 6) inclusão do nome do réu no cadastro nacional de inadimplentes, dentre outras. Estas se mostraram eficientes na garantia da efetividade da decisão judicial e no impedimento do engessamento da atividade jurisdicional.
 
Em termos práticos, na fase de execução do processo judicial o devedor é compelido a pagar o débito e, caso não o faça, é dado início à utilização dos instrumentos típicos – previstos expressamente na lei – para a recuperação do crédito.
 
Assim, pode o credor solicitar: 1) o bloqueio de valores em contas bancárias do devedor; 2) a constrição de bens móveis e imóveis que estejam em nome do devedor ou de seu cônjuge (a depender do regime de bens) e; inclusive, 3) pode o credor indicar, ao juízo, bens do devedor a serem penhorados. Se todas as tentativas restarem infrutíferas, só então poderá o credor solicitar a utilização das medidas executivas atípicas, com a finalidade compelir o devedor a realizar o pagamento da dívida.
 
Por esta razão, não só o entendimento do STJ se consolidou (REsp 1.782.418 REsp 1.788.950, RHC 97.876, HC 711.194 - STJ), como também o Fórum Permanente de Processualistas Civis - FPPC elaborou o Enunciado de número 12 que, em consonância com o movimento jurisprudencial, determinou que as medidas devem ser aplicadas respeitando o contraditório, observando a necessidade e a adequação ao caso específico. Isto se dá pelo fato de que elas não são punitivas, por não terem o objetivo de substituir a dívida, aplicando-se sobre o corpo ou liberdade do devedor; mas sim sendo meios de alcançar a satisfação da obrigação.
 
Portanto, não há sentido em suspender a CNH de devedor que, comprovadamente, depende do uso do carro para exercer atividade laboral e promover seu sustendo, porém, em nada teria problema cancelar os cartões de crédito deste mesmo devedor. Nas palavras do Ministro Luiz Fux  "(os juízes) tem que ter poderes e criatividade. Cada caso é um caso. Por exemplo, no caso do Faraó dos Bitcoins, que deu o calote e quis embora do país, seria lícito apreender o passaporte dele." (ADI 5941 - STF).
 
Em suma, o desequilíbrio na relação devedor e credor é frequente em processos judiciais, posto que a despeito de uma superproteção dos direitos do devedor, via-se o credor desprotegido pela justiça aguardando anos pelo pagamento do que lhe é devido. Assim, muitos processos se acumulam sem perspectiva de resultado, inchando o Poder Judiciário. 
 
Enquanto as medidas típicas são eficazes até um certo limite, as medidas executivas atípicas atingem uma camada mais profunda da vida do devedor: as que de fato incomodam a ponto de tirá-los da sua zona de conforto, especialmente no que toca suas extravagâncias inatingidas pelo processo, porém sustentadas pelos credores. E mais, agora os credores podem exigir a aplicação das medidas atípicas pelos juízes, desde que comprovadas a necessidade e a adequação, fundamentando na força que o instrumento ganhou por meio da recente decisão.
 
Portanto, as perspectivas para os processos em curso e para os futuros, que visam a recuperação de crédito, são animadoras, por se traduzirem em mais efetividade na satisfação dos direitos dos credores. Assim, o STF permitiu a utilização de mecanismos que afetarão a esfera extrapatrimonial de devedores de má-fé estimulando a quitação espontânea de suas dívidas garantindo segurança jurídica e o respeito ao resultado útil do processo. 
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