03/02/2023 às 15h08min - Atualizada em 03/02/2023 às 15h08min

O contrato de franchising e a cláusula de não-concorrência: limites objetivos à repressão da exploração da atividade-fim da franqueadora

Co-autoria: Yasmin Pires

Arthur Laércio Homci

Arthur Laércio Homci

Coordenador da Área Cível e Empresarial da Mendes Advocacia e Consultoria.

A prática denominada de franchising, operada por meio dos contratos de franquia, é hoje regida sob a égide da Lei nº 13.966/2019, denominada Lei de Franquias. Trata-se, para além de um simples contrato empresarial, de verdadeiro método de colaboração contratual entre duas partes juridicamente independentes e igualadas: a franqueadora e a franqueada.

A adesão a essa modalidade comercial é uma estratégia administrativa em crescente expansão, vide ser capaz de ensejar diversos benefícios às partes envolvidas. Por um lado, para o franqueador, a descentralização do negócio é uma plataforma capaz não só de expandir o seu mercado consumidor, mas também de consolidar sua marca e os serviços prestados como uma verdadeira referência no segmento econômico explorado.

Para o franqueado, por outro lado, a adoção do franchising pode representar um método simplificado de obter um empreendimento bem-sucedido, uma vez que não se necessita passar pelo longo processo de criação e crescimento de um serviço diferenciado apartado dos já existentes, nem desenvolver técnicas inovadoras para se distinguir no mercado e ganhar notoriedade.

Conforme dispõe o art. 2º, XV da Lei nº 13.966/2019, a proposta de franquia obriga o franqueador a repassar ao franqueado não só a identidade visual da marca representada, como também todo o know how que circunda o negócio, ou seja, a forma pormenorizada e exclusiva com que se dá a prestação dos serviços. Tal possibilidade é bastante sedutora, especialmente considerando que as chances de sucesso do negócio muitas vezes estão relacionadas à forma única com que este se insere no mercado.

Não à toa é que tais benefícios ensejaram, na última década, a expansão massiva do mercado de franquias no cenário brasileiro. Somente no período compreendido entre os anos de 2011 a 2017, a título ilustrativo, o número e unidades franqueadas subiu de 93.098 para 146.134, espraiando a modalidade do franchising aos mais diversos segmentos comerciais.

Vale destacar que a adesão ao contrato de franquia necessita de algumas atenções especiais pelas particularidades a ele intrínsecas. É o caso, que aqui será abordado, da cláusula de não-concorrência, prevista no art. 2º, XXI da Lei de Franquias. Em suma, ela impõe ao franqueado a vedação de explorar da atividade-fim praticada pela empresa franqueadora em determinado período de tempo após a resolução do contrato, sob pena de sanções.

Trata-se de cláusula que tem por objetivo proteger a propriedade intelectual do franqueador com relação a todos os elementos que compõem a cadeia de prestação de serviços, incluindo a identidade do negócio. Evita-se, desse modo, que a empresa franqueada se utilize dos métodos e técnicas obtidos em benefício unilateral. Imagine-se, por exemplo, o prejuízo ao qual se submeteria a franqueadora caso várias empresas franqueadas, pouco tempo após a formação do contrato, dessem causa à rescisão e se utilizassem do know how aprendido para iniciar negócio próprio, sem qualquer repasse de royalties à franqueadora.

A previsão de não-concorrência no término do contrato de franquia, portanto, é lícita e aceitável no ordenamento jurídico pátrio, preservando os direitos de marca e de ordem essencialmente intelectual de quem a operacionalizou. Isso não significa dizer, todavia, que não existem limites objetivos para essa previsão.

No campo do direito concorrencial, como constitucionalizou os arts. 170 e seguintes da CRFB, a preservação do livre mercado é primordial. Dito isto, é possível que a parte contratante abdique do seu direito de concorrência, desde que essa renúncia não seja eterna. Cuida-se, com isso, da conservação da própria Ordem Econômica.

Nesse sentido, é essencial que os contratos de franquia prevejam desde a proposta inicial a ser enviada ao franqueado quais são os limites materiais, espaciais e temporais à incidência da cláusula de não-concorrência, de forma a assegurar a informatividade aclarada do pretenso franqueado ao mesmo tempo em que impede a possibilidade de nulidade da cláusula de limitação concorrencial.
Cada um desses limites será analisado no presente artigo.

Os limites materiais dizem respeito à atividade exercida, de forma a restringir o ramo comercial que não pode ser explorado pelo ex-franqueado. A importância de tal previsão reside no fato de que não se pode, em função de cláusula de não-concorrência, impedir o sustento da parte retirante, sob pena de violação de princípios inerentes às relações contratuais como a boa-fé e a isonomia. Limitar vários ou todos os segmentos de exploração empresarial tornariam o franqueado refém do negócio de franquias contratado, não importando que ele se demonstre desvantajoso.

Os limites espaciais, por sua vez, fazem menção ao território geográfico em que deve ser exercida a não-concorrência. Em se tratando de determinados setores da economia, tal estipulação é especialmente relevante, uma vez que a pulverização de empresas com a mesma atividade-fim poderia prejudicar os negócios operados pela franquia. Nesse quesito, portanto, a cláusula será abusiva quando transpor a intenção de preservar a idoneidade da franqueadora, limitando a concorrência de forma injustificada.

Por fim, os limites temporais merecem destaque especial. Prevê o art. 1.147 do Código Civil que, na ausência de autorização expressa, “o alienante do estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente, nos cinco anos subsequentes à transferência”. Para além dos contratos que versam sobre alienação de estabelecimentos, essa disposição também é subsidiariamente aplicável a todos os contratos que detenham cláusula de não-concorrência.

Interessante notar que a legislação civil não especifica um limite temporal máximo para a incidência da cláusula de não-concorrência, mas tão somente a previsão de quantidade de anos na hipótese de omissão do instrumento contratual. Não obstante, consoante o Enunciado 490 da V Jornada de Direito Civil, a extrapolação do prazo de 05 (cinco) anos de proibição de não concorrência, ainda que convencionada de comum acordo pelas partes, pode ser revista judicialmente pela possibilidade de abusividade na conduta.

Trata-se de assegurar a livre concorrência, princípio da Ordem Econômica previsto na Constituição Federal. A partir de tais considerações, é possível abstrair que embora via de regra a previsão contratual de cláusula de não-concorrência corresponda a um direito cabível ao franqueador em função da sua propriedade intelectual, e que respeita as liberdades concedidas à autonomia privada, não se trata de disposição totalmente livre de restrições, devendo ser considerados, ainda, os direitos subjetivos da parte franqueada e a manutenção do status quo da liberdade econômica.
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