29/06/2022 às 17h18min - Atualizada em 29/06/2022 às 17h18min

Nova Lei de Improbidade Administrativa reduz em mais da metade ações contra agentes públicos

Impactos da Lei 14230 na nova realidade brasileira

Marcella Blok

Marcella Blok

Co-fundadora de Blok Compliance. Sócia da Blok Consultoria Legal. Coord. e profª convidada de Pós Graduações em Direito e Compliance

A Lei 14230/2021 promulgada em outubro de 2021, alterando dispositivos legais relevantes da vetusta lei de improbidade administrativa- a Lei 8429/1992- foi considerada um retrocesso ao dificultar a punição de servidores e políticos por práticas criminosas e ilícitas civil e administrativamente, tais como o dano ao erário, enriquecimento ilícito, dentre outras irregularidades, saindo do rol de atos que configuram improbidade administrativa, a imprudência, imperícia ou negligência.
 
Prova desse dano à coletividade fazendo as vestes de um instrumento político de impunidade para agentes públicos, como o ex-Ministro da Saúde, o Sr.  Eduardo Pazuello, por exemplo, quando do momento da falta de aquisição de oxigênio suficiente, é que a quantidade de ações apresentadas pelo MPF caiu mais de 50% em relação ao exercício passado, segundo fontes dos jornais “O Globo” e “Carta Capital” datados de 21 de maio de 2022.

A grande mudança decorrente da Lei atual, e alvo de intensa crítica por especialistas, foi a obrigatoriedade da comprovação do dolo. Quer dizer: deve ficar comprovado que determinado ato foi praticado com a intenção de maliciosamente, prejudicar a sociedade brasileira, constituindo, pois em crime.  Mas é complexa a atividade de tentar compreender e comprovar o elemento volitivo (a vontade ou conduta reprovável) de determinado indivíduo com o intuito claro (dolo) de cometer determinado ilícito civil e administrativo e/ou crime. 

  
Ocorre que a nossa legislação pátria abriga a figura do dolo eventual. Ora: a nosso ver, não restariam dúvidas de que a falta de oxigênio hospitalar- avisada pela Secretaria de Saúde do Estado do Amazonas, em janeiro, gerando a morte recorde de pacientes por Covid-19 não lhes tendo sido facultado sequer respirar por meio de equipamentos externos, por não terem sido estes comprados demonstra que, mesmo não tendo sido a intenção genuína de que milhares de pessoas morressem, o ex-Ministro da Saúde escolheu correr esse risco. Dito de outra forma, essa ciência do risco e da alta possibilidade de um resultado negativo, sobretudo, por ter sido avisado, e omitir-se de adquirir o oxigênio hospitalar, representa, justamente, o dolo eventual.
 
Destarte, a legislação brasileira criminal preza pela presunção de inocência, proibindo, pois, que se presuma que determinado ser humano seja considerado culpado sem o devido processo legal e sem o exercício de seu direito de defesa em todas as instâncias cabíveis. 
 
Na lei de Improbidade Administrativa de 1992, em tema que versa acerca da responsabilidade do agente público em casos de danos ao erário, entende-se que este pode ser punido na modalidade de culpa (sem dolo) sendo, portanto, uma responsabilidade civil administrativa. O STF, inclusive, oferece-nos decisões relevantes e acertadas sobre a inadmissibilidade de responsabilidade objetiva dos agentes públicos, em que pese tal entendimento ser diferente no âmbito da Lei Anticorrupção Brasileira, a Lei 12846/13, que prevê a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica e dos agentes que a presentam e representam.
 
Outro ponto crítico desse novo ordenamento legal e que vem ensejando inúmeros debates foi o entendimento atual de que, somente, atos graves de agentes públicos poderão provocar a perda de direitos políticos, como a proibição de candidatar-se em eleições e de assumir determinados cargos públicos, sem prejuízo da possibilidade de conversão de sanções em multas pecuniária, sendo obrigatório o ressarcimento integral do dano. Este foi o caso recente ocorrido com o deputado Daniel Silveira, quem, a princípio, estaria inelegível, ademais da obrigação de pagar multa de milhares de reais por descumprimento do uso de tornozeleira eletrônica.

Isto posto, há de se ressaltar, todavia, que dado o pouco tempo do advento da Lei 14230, ainda é cedo para avaliá-la, de forma plena, quanto aos seus benefícios e pontos que poderiam ser melhorados.  Ainda não temos jurisprudência vasta e tampouco tantos precedentes legais e doutrina ampla nesse sentido, o que faz com que o Ministério Público recue quanto ao oferecimento de ações pautadas nessa Lei tão recente.
 
Para compensar isto, recomenda-se fortemente que o Ministério Público e os representantes do poder Judiciário optem por utilizar leis mais sedimentadas, a exemplo, da Legislação Anticorrupção Brasileira, que regula os Processos Administrativos de Responsabilização (PAR) e as ações de improbidade empresarial, ademais do Pacto Global da ONU e a Convenção da OCDE de combate ao suborno transnacional, todas aderentes às principais práticas reconhecidas nacional e internacionalmente.  Assim, evitam-se eventuais práticas contrárias aos direitos fundamentais e à garantia de irretroatividade da Lei que beneficie os acusados.

Einstein, em seu brilhantismo de sempre, relembra-nos que é insanidade fazermos sempre as mesmas coisas e querermos resultados diferentes.
 
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