27/05/2022 às 13h05min - Atualizada em 27/05/2022 às 13h05min

A consensualidade administrativa no direito administrativo do medo

Carlos Schenato

Carlos Schenato

Mestrando em Direito, Profº. no Curso de Pós em Direito e Processo Tributário no CESUPA. Vice-presidente da Assoc. dos Advogados Tributaristas do Pará

O modelo de administração gerencial, incentivadora do diálogo com o particular, ganhou força desde a reforma administrativa de 1995, tendo na submissão dos entes públicos à juridicidade administrativa (e não mais à ideia de legalidade, apenas) uma das maiores dificuldades na condução das relações público-privadas.

Já há alguns bons anos que a possibilidade de convergência entre os interesses particulares e públicos é aceita entre o meio acadêmico, a legislação e prática do direito administrativo. As antigas hierarquias entre os princípios da supremacia do interesse público sobre o privado ou da indisponibilidade do interesse público em detrimento do particular já não aparenta tanta força quanto outrora.

Dentro desta crise de paradigma, a atividade do consenso-negociação existente entre o Público e o Privado desponta como imprescindível no processo de identificação destes interesses públicos e privados, tarefa antes quase que exclusiva e discricionária da Administração pública, que tem as decisões unilaterais atenuadas.
Exemplo disso é a novel alteração na Lei de Introdução ao Direito Brasileiro (LINDB), pela Lei n. 13.655/2018, que trouxe os arts. 26 e 29, expressamente privilegiando a consulta pública no processo de solução de situações contenciosas ou inseguranças jurídicas, bem como nas funções atípicas da Administração, especialmente quando de edição de atos normativos.

Art. 26. Para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público, inclusive no caso de expedição de licença, a autoridade administrativa poderá, após oitiva do órgão jurídico e, quando for o caso, após realização de consulta pública, e presentes razões de relevante interesse geral, celebrar compromisso com os interessados, observada a legislação aplicável, o qual só produzirá efeitos a partir de sua publicação oficial.

Art. 29. Em qualquer órgão ou Poder, a edição de atos normativos por autoridade administrativa, salvo os de mera organização interna, poderá ser precedida de consulta pública para manifestação de interessados, preferencialmente por meio eletrônico, a qual será considerada na decisão.

O Poder Público, aparentemente, adentra em um novo modo de agir, atuando para dirimir ou compor conflitos não apenas entre Administração e particular, mas até mesmo entre interesses de variadas partes, ganhando relevância o consenso e a participação.

No decorrer dos anos, diversos institutos envolvendo a consensualidade da Administração Pública surgiram no ordenamento jurídico, como os acordos de leniência, a colaboração premiada, as arbitragens, mediações e conciliações, as desapropriações amigáveis, juizados especiais, parcerias público-privadas (incluindo o modelo de hélice tríplice) entre outros instrumentos jurídicos. 

De outro ponto de partida à posterior convergência, o Código de Processo Civil de 2015, aplicável subsidiariamente aos processos administrativos, homenageou a solução consensual dos conflitos como norma fundamental ao processo brasileiro, expressamente disposta no §3º do art. 3º, bem como incumbindo o Estado a criação de câmaras de mediação e conciliação.

Mesmo em âmbito tributário, em que os princípios da estrita legalidade e indisponibilidade do interesse público (aqui crédito público) são mais evidentes, a tendência pela implementação de acordos extrajudiciais, envolvendo processos (negócios jurídicos processuais) ou não (transações tributárias) são amplamente implementados.

Aliás, percebe-se ainda mais força na administração gerencial, que na proteção da eficiência sacrifica até mesmo a indisponibilidade daquele interesse público (crédito). Afinal, hoje com débitos inferiores a dez reais, nem sequer guias de pagamento à União devem ser emitidas. Inscrições em dívidas ativa apenas a partir de mil reais, bem como ajuizamentos de execuções fiscais só para o que passar de vinte mil reais. Não bastasse tanto, arquivam-se (art. 20, Portaria PGFN 396/16) execuções inferiores a um milhão de reais, atendidas algumas condições.

O maior entrave destes diversos instrumentos e alternativas gerenciais que buscam a eficiência administrativa está, certamente, no denominado direito administrativo do medo, termo que busca evidenciar uma série de obstáculos e efeitos práticos que os gestores públicos (em sentido amplo, gestores de recursos, de processos judiciais, advogados públicos, entre outros) enfrentam a partir do receio do controle externo de suas condutas.

A não decisão ou o compartilhamento da tomada de decisão por inúmeras instâncias administrativas (excessivos “de acordos”), tendo em vista o risco decisório a ser assumido, passam a se tornar uma blindagem decisória em que o intenso pensamento de autoproteção agente público está não apenas à frente, mas em algumas ocasiões, em conflito com o próprio interesse público gerencial.

O resultado prático é que os instrumentos dispostos no ordenamento jurídico para promover a consensualidade, a celeridade em processos administrativos e judiciais, bem como a eficiência na condução dos interesses públicos e particulares, são pouco utilizados e, em alguns, nem sequer utilizados. A tentativa de alcançar a consensualidade, o diálogo e o paradigma de confiança que se busca entre o Poder Público e particulares jamais poderá ser confundida com interesses escusos.

É certo que esse excessivo controle gerou uma crise de ineficiência. Dosar os limites é o problema.
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