24/10/2023 às 22h58min - Atualizada em 24/10/2023 às 22h58min

Corregedor apresenta relatório de ações por suposto abuso de poder no 7 de setembro de 2022

Relatório de AIJEs contra Bolsonaro e Braga Netto, então candidato à reeleição, detalham os argumentos da acusação e da defesa

Ministro Benedito Gonçalves (TSE)
 
O corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro Benedito Gonçalves, apresentou, na sessão desta terça-feira (24), o relatório referente a duas Ações de Investigação Judicial Eleitoral (Aijes) e a uma representação especial ajuizadas contra o ex-presidente da República e então candidato à reeleição nas Eleições 2022, Jair Bolsonaro, e seu candidato a vice na chapa, Walter Souza Braga Netto.
Movidas pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) e pela então candidata à Presidência no pleito do ano passado Soraya Thronicke, as ações apontam o uso ilegal de bens materiais, imateriais e de servidores da União, em desvio de finalidade eleitoreiro, nas comemorações do Bicentenário da Independência, no dia 7 de setembro de 2022.
Os autores pedem a inelegibilidade de ambos por suposta prática de abuso de poder político e econômico e uso indevido dos meios de comunicação, inclusive com gastos públicos em beneficio da campanha eleitoral, em eventos de caráter oficial.
Os relatórios referentes às Aijes 0600972-43 e 0600986-27, bem como à Representação Especial 0600984-57 trazem os argumentos da acusação e da defesa, as alegações finais apresentadas pelas partes e o parecer da Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE).
Acusação
Conforme explicou o relator, a primeira Aije (0600972-43), ajuizada pelo PDT, aponta apenas os fatos ocorridos nas cerimônias oficiais em comemoração ao Bicentenário da Independência realizadas na cidade de Brasília (DF), sob a ótica do abuso de poder político e econômico. Alega violação ao artigo 22 da Lei Complementar (LC) nº 64/1990. Nessa ação, não foi formulado pedido de liminar.
Já a segunda Aije, de autoria de Soraya Thronicke, trata dos fatos ocorridos em Brasília e no Rio de Janeiro, também sob o aspecto do artigo 22 da LC 64/90. Segundo informou o relator, neste caso, houve requerimento de tutela provisória, que foi deferido parcialmente, sob pena de multa. O ministro também determinou que fosse cessada a veiculação de propaganda eleitoral que utilizasse imagens do então presidente da República capturadas nos eventos oficiais de comemoração do Bicentenário, tanto em Brasília como no Rio. Os investigados informaram que cumpriram a determinação.
De acordo com a acusação nas duas Aijes, Bolsonaro direcionou a comemoração do 7 de setembro em favor de sua candidatura, realizando atos oficiais e eleitorais de forma sequenciada, em locais muito próximos, o que fez com que o público atingido fosse o mesmo. Assim, segundo os autores, a conduta seria altamente reprovável, com significativa repercussão no pleito, considerando-se os recursos públicos desviados para beneficiar a reeleição do candidato.
Já na Representação Especial, a autora menciona que os fatos configuram as chamadas condutas vedadas previstas no artigo 73 da Lei das Eleições (Lei nº 9.504/1997), proibições aos agentes de praticarem condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidade nas eleições. No caso, a vedação estaria caracterizada pelo uso político de bens e servidores públicos por parte do primeiro investigado.
A principal tese da acusação não questiona a importância e a legalidade dos eventos públicos comemorativos da Independência, sobretudo em seu Bicentenário, mas o desvio de finalidade eleitoreiro e o incontestável uso da máquina pública em campanha eleitoral nas celebrações realizadas nas duas cidades.
Sustentam que, em Brasília, assim que foi encerrada a cerimônia oficial, Bolsonaro desceu da tribuna de honra e realizou comício em trio elétrico montado em frente ao Congresso Nacional. Para os autores das ações, é fato público e notório que a chapa promoveu atos de campanha mediante o uso da estrutura e de recursos públicos. Entre eles: discurso em trio elétrico, em que houve pedido explícito de votos; e entrevista concedida à TV Brasil, emissora pública.
Segundo os acusadores, os atos de campanha mesclaram-se aos eventos oficiais, fazendo com que todo o aparato público fosse usado em benefício da campanha dos candidatos. Afirmam que a prática redundou em violação aos princípios da Administração Pública e à isonomia entre as candidaturas, tendo em vista a projeção pessoal ilícita alcançada com o uso da máquina pública.
Para eles, o desvio de finalidade eleitoreiro das comemorações em beneficio da campanha eleitoral custou mais de R$ 8 milhões aos cofres públicos, gasto exorbitante diante do que foi despendido nas comemorações alusivas ao 7 de setembro de 2019, valor claramente caracterizador do abuso de poder econômico. Assim, a conduta apresenta alto grau de reprovabilidade, uma vez que os eventos oficiais foram estruturados “de modo a viabilizar a realização dos atos de campanha” e “potencializá-los com o maior alcance possível”.
Na conclusão, os autores reiteram que a jurisprudência do TSE reconhece que o desvirtuamento de festividade tradicional, custeada com recursos públicos e visando dividendos eleitorais, configura abuso de poder político e econômico.
Defesa
Em contestação conjunta, a defesa de Jair Bolsonaro e Braga Netto argumenta que os eventos oficiais em comemoração ao Bicentenário da Independência e os atos político-eleitorais realizados em Brasília e no Rio de Janeiro  são claramente distintos, já que, no desfile cívico-militar, o  então presidente da República cumpria seu papel de chefe de Estado e não proferiu discursos políticos ou eleitorais, enquanto nos comícios ele discursou em veículos particulares a pessoas que se dispuseram a ouvi-lo.
Afirma que os comícios realizados nas duas cidades constituem atividade política-eleitoral, da qual o presidente participou sem ostentar a faixa presidencial, havendo “clara diferenciação, com bordas cirúrgicas limpas e delimitadas” em relação aos atos oficiais de comemoração do Bicentenário da Independência. Além disso, destaca que os gastos realizados para a organização dos atos de campanha foram financiados com dinheiro de sua campanha e declarados na prestação de contas à Justiça Eleitoral.
Também ressalta que as comemorações no Rio de Janeiro começaram às 9h, momento em que Bolsonaro não estava sequer na cidade. E garante que, ao contrário do que ocorreu em Brasília, onde o enfoque era a agenda oficial, a viagem do então presidente ao Rio de Janeiro objetivava os atos políticos, priorizando uma motociata realizada por sua base de apoiadores.
Sobre os alegados gastos “exorbitantes” realizados no evento de 2022, em relação ao de 2019, a defesa garante que foram compatíveis com o “simbólico caráter majestoso do Bicentenário da Independência” e se justificam ante “a ausência de comemorações nos anos anteriores por conta da pandemia de covid-19”.
A defesa ainda contesta a suposta gravidade do uso indevido dos meios de comunicação envolvendo a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), argumentando que a entrevista foi concedida à TV Brasil, emissora de baixa audiência, e que o discurso foi transmitido em tom moderado, sem ataques às instituições e com temas de interesse público. Portanto, segundo os advogados, não há a configuração de conduta vedada aos agentes públicos, tampouco o abuso de poder ou o uso indevido dos meios de comunicação.
A principal linha da defesa da chapa é a de que a ação deve ser arquivada diante da ausência de provas da prática de qualquer ato abusivo ou de conduta vedada aos agentes públicos. “Não houve qualquer ilegalidade nas manifestações públicas do 7 de setembro, cirurgicamente separadas e delimitadas dos atos oficiais, de forma que são totalmente improcedentes as imputações de abuso de poder ou uso indevido dos meios de comunicação”, ressalta a defesa.
Em resumo, de acordo com a defesa, tratando-se de eventos distintos em bem delimitados não houve a utilização nem da estrutura custeada com recursos públicos, nem do trabalho de servidores públicos e, portanto, não restaram configuradas as condutas vedadas ou o abuso de poder político e econômico.
PGE
O relator informou que a Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE) opina pela parcial procedência dos pedidos, para reconhecer as acusações e declarar a inelegibilidade de Jair Bolsonaro, apenas. Quanto a Braga Netto, a PGE afirma que não há a comprovação de sua participação ou anuência aos atos. A Procuradoria também opina pela aplicação de multa ao primeiro investigado por conduta vedada.
Para a PGE, não há controvérsia quanto à realização de atos de campanha eleitoral imediatamente após os eventos oficiais de comemoração do Bicentenário da Independência nas cidades de Brasília e do Rio de Janeiro. Além disso, segundo a Procuradoria, não existe uma separação efetiva e uma diferenciação nítida entre os eventos oficiais e os atos de campanha que se seguiram.
A PGE também entende que os fatos ocorridos durante os eventos oficiais demonstram a estratégia de fusão dos eventos oficiais de desfiles militares e de ritos institucionais com os atos de campanha.

Fonte: TSE.

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