Sabemos que princípio da legalidade em matéria tributária parte de fundamentos fáticos reais e não fictícios. A ficção jurídica (não se confundir com presunção) é inadmissível no direito tributário, por trazer insegurança jurídica e incerteza quanto à eficácia e aplicação das normas legais (materiais e processuais).
Em outras palavras, o princípio da segurança jurídica é da essência do próprio direito, no Estado Democrático de Direito. Representa para a sociedade o direito à estabilidade das relações jurídicas e a certeza de que essas relações jurídicas não serão alteradas no cumprimento das obrigações tributárias, sem previsão legal, em relação aos efeitos jurídicos dos atos normativos a que o contribuinte deve obediência.
No âmbito do processo tributário, as afirmações acima, igualmente, são válidas.
É necessário cumprir e aplicar as leis constantes no ordenamento jurídico.
Vejamos.
No Estado do Pará, a Lei Estadual n. 8.972/2020 (LEPA), que vigora desde 12 de abril de 2020, estabelece que a contagem de prazo nos processos administrativos no âmbito do Estado do Pará deve ser feita exclusivamente em dias úteis, sem haver qualquer distinção para o processo administrativo tributário.
Fazendo uma reflexão desde a Constituição Federal sobre a matéria, destaco o inciso I do artigo 22 que preceitua:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;
Destacamos que a expressão “direito processual” está relacionada ao direito processual judicial e não a todo e qualquer processo.
Tanto é verdade que o art. 24, I da Carta Magna preceitua que a competência para legislar em matéria de direito tributário pode ser tanto concorrente quanto suplementar. A União, os estados e o Distrito Federal, podem legislar concorrentemente.
Senão vejamos:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico; (Vide Lei no 13.874, de 2019)
Concerne à União prever as normas gerais e aos estados e Distrito Federal legislarem sobre as normas específicas.
Ademais, se do contrário fosse, todas as leis federais e estaduais que versam sobre o processo administrativo em âmbito tributário seriam inconstitucionais, pois não há nenhuma lei nacional nem previsão na Carta Magna que assegurou a competência legislativa plena aos demais entes.
No caso de a União não exercer a sua competência legislativa sobre as normas gerais e não existindo nenhuma lei federal que verse sobre o mesmo assunto, é permitido aos estados e DF exercerem a competência legislativa plena.
A jurisprudência vem se manifestando, como veremos adiante, no sentido de que lei ordinária (CPC) pode ser aplicada à contagem de prazo de outra lei ordinária (LEF), em detrimento de lei complementar (CTN). Entendimento, este, que garante a aplicação direta do CPC, ainda mais quando existe lei ordinária estadual, (LEPA) sobre a contagem de prazos de outra lei ordinária (PAF), em detrimento de lei complementar (CTN)
Desta forma, não possuindo lei em âmbito nacional que trate sobre contagem de prazos administrativos e já possuindo entendimento jurisprudencial no mesmo sentido, tem-se que é plenamente válido que o Estado do Pará legisle sobre a os prazos inerentes ao processo administrativo, tal como ocorreu com a promulgação da Lei Estadual no 8.972/2020 – LEPA.
Anteriormente, o Estado do Pará editou em 1998, a Lei no 6.182, que dispõe sobre os procedimentos administrativos tributários, esta que regula em âmbito estadual, para além de outras matérias, o prazo para interposição de recursos e impugnações, consoante a redação dos artigos 20 e 32:
Art. 20. A fase litigiosa do procedimento inicia-se na repartição fazendária que jurisdiciona o domicílio tributário do sujeito passivo, pela apresentação de impugnação a auto de infração, formalizada por escrito e instruída com os documentos em que se fundamentar, no prazo de trinta dias, contado da data em que se considera notificado o sujeito passivo.
Art. 32. Das decisões de primeira instância contrárias ao sujeito passivo ou ao requerente, no todo ou em parte, cabe recurso voluntário, com efeito suspensivo, ao Tribunal Administrativo de Recursos Fazendários.
§ 1o O recurso voluntário será apresentado ao órgão responsável pela intimação da decisão de primeira instância, conforme previsto no art. 14, § 1o, no prazo de trinta dias, contados da data em que se considera o sujeito passivo intimado da decisão.
Destaque relevante está para a não especificação, pela indigitada Lei Estadual, do modo de contagem do prazo de trinta dias, se em dias úteis ou contínuos/corridos, ausência de especificação esta que igualmente se verifica em outras legislações estaduais que regem processos administrativos específicos, como o processo disciplinar e sancionatório.
Como é sabido e então aplicado em diversas Secretarias Estaduais, consoante o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a Lei que regulava o processo administrativo federal (Lei no 9,78499) era utilizada subsidiariamente em relação a contagem dos prazos, conforme o seu art. 66, assim transcrito:
Art. 66. Os prazos começam a correr a partir da data da cientificação oficial, excluindo-se da contagem o dia do começo e incluindo-se o do vencimento.
§ 1o Considera-se prorrogado o prazo até o primeiro dia útil seguinte se o vencimento cair em dia em que não houver expediente ou este for encerrado antes da hora normal.
§ 2o Os prazos expressos em dias contam-se de modo contínuo
Na mesma esteira que diversos entes federados, que desde o advento da lei regente do processo administrativo federal vieram editando suas próprias leis regedoras de processos administrativos, o Estado do Pará promoveu finalmente a edição de suas próprias normas gerais de processos administrativos até então regidos unicamente em legislações esparsas.
Nesse sentido, com o advento da LEPA, o processo administrativo no âmbito da Administração Pública do Estado do Pará foi regulamentado, instituindo normas básicas sobre o processo administrativo aplicável à Administração Pública Direta e Indireta, incluindo aos Poderes Legislativo e Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e Tribunais de Contas quando do desempenho de suas funções administrativas.
A referida LEPA instituiu, em seu artigo 83 (Capítulo XVIII – Dos Prazos), a forma de contagem de prazos no âmbito dos processos administrativos estaduais, qual seja: dias úteis. É o teor do dispositivo:
Art. 83. Os prazos contam-se em dias úteis e começam a correr a partir da data da cientificação oficial, excluindo-se da contagem o dia do começo e incluindo-se o do vencimento.
§ 1o Considera-se prorrogado o prazo até o primeiro dia útil seguinte se o vencimento cair em dia em que não houver expediente ou este for encerrado antes da hora normal ou, ainda, houver indisponibilidade da comunicação eletrônica, neste caso conforme regulamento.
§ 2o Os prazos fixados em meses ou anos contam-se de data a data, considerando-se como termo final, caso no mês do vencimento não haja o dia equivalente àquele do início do prazo, o último dia do mês. § 3o De comum acordo, a Administração e os interessados poderão fixar prazos diferenciados para a prática de atos processuais, em casos excepcionais, devidamente justificados, quando a complexidade da matéria e do procedimento assim o exigir.
Desde a vigência da LEPA, o Estado do Pará, por meio da Procuradoria Consultiva da Procuradoria-Geral do Estado do Pará (PCON-PGE-PA), vem se manifestando no sentido de reafirmar a aplicação do modo de contagem de prazos aos processos administrativos aos quais as suas legislações específicas não determinaram a matéria, a exemplo do processo disciplinar e do Parecer no 000639/2020-PGE.
A Secretaria de Fazenda do Estado do Pará – SEFA, mesmo órgão administrativo que entende pela não aplicação da LEPA, submeteu à análise da PCON-PGE-PA a seguinte questão: “na contagem dos prazos dos procedimentos disciplinares da Secretaria da Fazenda, deve-se aplicar a regra do art. 109, § único da Lei Estadual no 5.810/94, ou, deve-se obedecer ao art. 83, caput e §§ seguintes c.c art. 139 da LEPA?”.
À ausência de norma específica na Lei Estadual no 5.810/94 (Regime Jurídico Único dos Servidores) sobre a forma de contagem dos prazos processuais (diga-se de passagem, igual à lei do Processo Administrativo Fiscal), se contínuos ou em dias úteis, aplicava-se a regra geral do direito de petição do servidor público estadual, expresso no parágrafo único do art. 109 da própria Lei.
Em solução ao questionamento apresentado, a Procuradoria do Estado adotou o posicionamento de que “a contagem de prazo em dias úteis aplicável pela LEPA aos procedimentos sancionatórios alcança os procedimentos administrativos de natureza disciplinar”, ainda que considerando a aplicação subsidiária do Código de Processo Penal, que determina a contagem de prazos em dias contínuos, tendo em vista a prevalência da norma básica estadual e o código de processo civil.
Dentre os esclarecimentos necessários, fez-se menção à aplicação imediata das normas processuais aos processos em curso, respeitados os atos processuais já praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada, consoante os artigos 14 e 1.046 do CPC/15.
O próprio CPC/15, em seu artigo 15, estabeleceu que na ausência de normas que regulem processos administrativos, as suas disposições serão aplicadas supletiva e subsidiariamente, ex vi:
Art. 15. Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.
Ainda dispôs no mesmo sentido ao determinar que os prazos processuais estabelecidos por lei computar-se-ão tão apenas os dias úteis, nos termos do seu artigo 219:
Art. 219. Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis.
Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se somente aos prazos processuais.
A LEPA estabeleceu, para além das disposições em tela, a responsabilidade dos agentes públicos faltosos que, injustificadamente, não aplicarem as determinações legais, consoante o artigo 142:
Art. 142. O descumprimento injustificado, pela Administração, das disposições desta Lei, gera responsabilidade imputável aos agentes públicos faltosos, inclusive disciplinar, não implicando, necessariamente, na invalidação do procedimento.
O objetivo do dispositivo é o de que eventuais disposições gerais ou especiais acrescidas ao ordenamento jurídico sejam interpretadas em consonância com as normas existentes, razão pela qual não revogam as anteriores. Por óbvio, a lei do PAF não foi revogada pela LEPA, mas sendo esta norma geral sobre processos administrativos, tem sua aplicação subsidiária às omissões que àquela eventualmente contiver, o que fora admitido pela PGE em um cotejo de garantia de legalidade e segurança jurídica.
Poder-se-ia, eventualmente, com um certo esforço, invocar o art. 210 do CTN com a finalidade de rechaçar a contagem do prazo processual em dias úteis. O artigo preceitua que os prazos serão contados de forma “contínua”, senão vejamos:
Art. 210. Os prazos fixados nesta Lei ou legislação tributária serão contínuos, excluindo-se na sua contagem o dia de início e incluindo- se o de vencimento.
Ocorre que, uma coisa é unidade de tempo (maiores ou menores; anos, meses, dias e horas) e outra coisa a continuidade. Uma não elimina a outra. Contínuo significa decurso sequencial: aquilo que ocorre de forma sequencial na mesma unidade de tempo adotada.
Em outras palavras, “dias úteis” é mera qualificação da unidade de tempo “dias” e a contagem baseada exclusivamente nesta unidade será contínua, pois contínua é a contagem em sequência da mesma unidade de referência adotada pelo legislador.
Portanto, um prazo legal de 30 dias úteis é contínuo, tal qual um prazo de 30 dias corridos. A quebra da continuidade só existiria caso o prazo adotasse mais de uma unidade de tempo (Ex: prazo de 1 dia e 12 horas).
Observando essa distinção entre continuidade e unidade de tempo, o CPC de 1939, em seu art. 26 faz constar expressamente que: “Os prazos serão contínuos e peremptórios, correndo em dias feriados e nas férias.[...]”
Ou seja, qualificou os prazos como contínuos (em dias) e estabeleceu que a contagem seria em dias corridos (levando em conta os dias úteis e não úteis). Tal estrutura semântico-normativa evidencia a não equivalência do termo “contínuo” com a contagem do prazo em dias corridos, sendo, portanto, conceitos autônomos.
Acontece que tal estrutura normativa foi parcialmente apropriada pelo CTN (1966), que se submete à aplicação subsidiária do Código de Processo Civil vigente à época. Veja-se que, ao contrário do CPC/39, o CTN não previu que a contagem dos prazos se daria de forma corrida (como o fez o CPC de 1939), contudo, em virtude da previsão contida no CPC/39 e da aplicação subsidiária deste à indigitada legislação, historicamente adotou-se a contagem de prazos em dias corridos tal qual previsto no art. 26 do CPC de 1939 (contando sábados, domingos e feriados).
Ou seja, a forma de contagem em dias corridos jamais derivou da previsão legal contida nessas legislações acerca do caráter contínuo do prazo, e sim em razão da aplicação subsidiária do CPC.
Pois bem, o atual CPC não abandona o princípio da continuidade e ao estabelecer a contagem em dias úteis determina uma unidade de tempo não prevista no art. 210 do CTN. Aliás, o comando normativo é omisso quanto à unidade de tempo (dias corridos ou úteis) apenas estabelece, a toda evidência, o princípio da continuidade.
Dito isto, não se pode afirmar incompatibilidade entre o art. 219 do CPC de 2015 e o art. 210 do CTN. Ambos observam o princípio da continuidade para a contagem do prazo processual – sendo que o primeiro estabelece unidade de tempo e o segundo é, neste aspecto, omisso (omissão parcial, que exige complementação pela aplicação subsidiária).
Perceba a importância do tema e a necessidade de uma ampla divulgação a fim de propiciar um franco debate.
Além do mais, especificamente quanto ao art. 219, com a vigência do CPC/2015 a comunidade jurídica pleiteou a aplicação do artigo 219 (prazo em dias úteis) no Sistema dos Juizados, vindo a ser promulgada a Lei no 13.728, de 31 de outubro de 2018, incluindo o artigo 12-A na Lei no. 9.099/95, com texto idêntico ao CPC: “Art. 12-A. Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, para a prática de qualquer ato processual, inclusive para a interposição de recursos, computar-se-ão somente os dias úteis”.
Contudo, antes mesmo da vigência da Lei no 13.728, o FONAJEF editou o enunciado no 175, cujo teor é: “Por falta de previsão legal específica nas leis que tratam dos juizados especiais, aplica-se, nestes, a previsão da contagem dos prazos em dias úteis (CPC/2015. Art. 219) (Aprovado no XIII FONAJEF)”
A justificativa do enunciado é irrepreensível: como não há qualquer previsão específica nas leis que tratam dos Juizados a respeito da forma de contagem de prazo, é inevitável a aplicação da regra consagrada no Código de Processo Civil. Este é exatamente o caso dos autos.
Assim sendo, a lei estadual que trata do processo administrativo tributário não trata sobre a forma de contagem de prazo, tampouco o CTN, tendo em vista que a forma contínua de contagem não é contraditória com a unidade de tempo dessa contagem (dias úteis).
Logo, conclui-se que não estamos aplicando a Lei, nem a LEPA, muito menos o CPC como se deveria para os processos administrativos tributários no Estado do Pará.
Os prazos devem ser contados em dias úteis.
Se o CTN dissesse o contrário, todas as execuções fiscais atualmente existentes, bem como embargos às execuções fiscais, cautelares fiscais, ações de repetição de indébito, consignações em pagamento e outros processos que versarem sobre matéria fiscal deveriam tramitar tão apenas em dias corridos?
Penso que não.
Qual o prejuízo para Administração Pública aplicar a LEPA em processo administrativo tributário? Certamente a insegurança jurídica vem prevalecendo e precisamos combater este cenário.
Sou a favor de defender a Lei.