11/08/2022 às 16h58min - Atualizada em 11/08/2022 às 16h58min

Diligências em processos licitatórios

O uso em defesa do interesse público

Sandro Borges

Sandro Borges

Secretário de Planejamento do Tribunal Regional Eleitoral do Pará. Professor de Direito Previdenciário e Direito Administrativo.

O processo licitatório é modelado para não se prorrogar excessivamente no tempo, uma vez que o objetivo está na disponibilização dos bens e serviços da forma mais ágil possível, a fim de não inviabilizar a administração pública. Neste contexto, e ainda para se impedir que licitantes burlassem regras editalícias, o uso do instituto de diligências tem aplicabilidade mais restrita nestes processos administrativos.

Não obstante, as diligências constituem-se em vital ferramenta à administração pública na gestão do processo licitatório para assegurar a contratação da proposta mais vantajosa, garantindo o devido processo administrativo e respeito ao direito de todos os licitantes.

O instituto já é previsto no art. 43, §3º, da Lei nº 8.666/93:

 
“Art. 43.  A licitação será processada e julgada com observância dos seguintes procedimentos:
...
§ 3o É facultada à Comissão ou autoridade superior, em qualquer fase da licitação, a promoção de diligência destinada a esclarecer ou a complementar a instrução do processo, vedada a inclusão posterior de documento ou informação que deveria constar originariamente da proposta.” (Destaques nossos)

Apesar da norma em seu texto utilizar a expressão facultada a jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU) se consolidou que tal previsão criou um poder-dever por parte da administração nas hipóteses em que a diligência emergir como necessária, uma vez que a superação de falhas formais ou realização de esclarecimentos que não afrontem o princípio da isonomia entre os licitantes revelam-se como atendimento ao interesse público através do respeito aos princípios da eficiência, ampliação da competitividade, razoabilidade, proporcionalidade e principalmente da proposta mais vantajosa.

É o sentido que se extrai dos Acórdãos:

 
2.521/2003-TCU-Plenário - “atente para o disposto no art. 43, §3º, abstendo-se, em consequência, de inabilitar ou desclassificar empresas em virtude de detalhes irrelevantes ou que possam ser supridos pela diligência autorizada por lei”

Acórdão 3418/2014–TCU-Plenário - “Ao constatar incertezas sobre o cumprimento de disposições legais ou editalícias, especialmente dúvidas que envolvam critérios e atestados que objetivam comprovar a habilitação das empresas em disputa, o responsável pela condução do certame deve promover diligências para aclarar os fatos e confirmar o conteúdo dos documentos que servirão de base para a tomada de decisão da Administração (art. 43, § 3º, da Lei 8.666/1993). 

Acórdão 3340/2015–TCU-Plenário “É pacífico o entendimento do Tribunal de que falhas sanáveis, meramente formais, identificadas nas propostas, não devem levar necessariamente à inabilitação, cabendo à Comissão Julgadora promover as diligências destinadas a esclarecer dúvidas ou complementar o processamento do certame (Lei 8.666/1993, art. 43, § 3º).”

Embora o contexto jurisprudencial tenha pacificado o entendimento supramencionado, a aplicação não reside no universo da simplicidade, posto que na dureza da concretude do dia a dia das licitações são inúmeras as ocorrências onde pode é tênue a delimitação entre mero formalismo e a violação de algum princípio ou norma editalícia, o que exige das equipes que laboram na área alto nível de preparo na interpretação e entendimento dos conceitos jurídicos aplicados.

Em verdade, a norma explicitou que é “vedada a inclusão posterior de documento ou informação que deveria constar originariamente da proposta”, mas a aplicação diária gerou inúmeras dúvidas que evidenciou que o texto falhou em clarificar mais concretamente o pretendido. O próprio TCU, por exemplo, tem entendimento aderente às diligências para hipóteses de erros sanáveis em planilhas de preços, tudo em prol da economicidade nas contratações públicas.

 
Acórdão 830/2018–TCU-Plenário “as omissões nas planilhas de custos e preços das licitantes não ensejam necessariamente a antecipada desclassificação das respectivas propostas, devendo a administração pública promover as adequadas diligências junto às licitantes para a devida correção das eventuais falhas, sem a alteração, contudo, do valor global originalmente proposto, em consonância, por exemplo, com os Acórdãos 2.546/2015, 1811/2014 e 187/2014, do Plenário do TCU;”

Resta pacificado que a funcionalidade da diligência é assegurar a melhor compra à instituição pública, evitando-se a desclassificação por excesso de formalismo em claro prejuízo ao interesse público. Logo o desafio está encontrar sempre a boa delimitação entre as regras essenciais a seleção e os erros e omissões sanáveis.

Com o advento da Lei nº 14.133/21 temos no art. 64 evidente tentativa do legislador de melhor delimitar as hipóteses onde a diligência seja a realização do interesse público, através do seguinte rol:

 
“Art. 64. Após a entrega dos documentos para habilitação, não será permitida a substituição ou a apresentação de novos documentos, salvo em sede de diligência, para:

I - complementação de informações acerca dos documentos já apresentados pelos licitantes e desde que necessária para apurar fatos existentes à época da abertura do certame;

II - atualização de documentos cuja validade tenha expirado após a data de recebimento das propostas.

§ 1º Na análise dos documentos de habilitação, a comissão de licitação poderá sanar erros ou falhas que não alterem a substância dos documentos e sua validade jurídica, mediante despacho fundamentado registrado e acessível a todos, atribuindo-lhes eficácia para fins de habilitação e classificação.” (Destaques nossos)

Ressalte-se que temos expressamente a possibilidade de diligências em mais dois artigos na nova lei:
 
Art. 42. A prova de qualidade de produto apresentado pelos proponentes como similar ao das marcas eventualmente indicadas no edital será admitida por qualquer um dos seguintes meios:
...
§ 2º A Administração poderá, nos termos do edital de licitação, oferecer protótipo do objeto pretendido e exigir, na fase de julgamento das propostas, amostras do licitante provisoriamente vencedor, para atender a diligência ou, após o julgamento, como condição para firmar contrato.
...
Art. 59. Serão desclassificadas as propostas que:
...
IV - não tiverem sua exequibilidade demonstrada, quando exigido pela Administração;
...
§ 2º A Administração poderá realizar diligências para aferir a exequibilidade das propostas ou exigir dos licitantes que ela seja demonstrada, conforme disposto no inciso IV do caput deste artigo.” (Destaques nossos)

A despeito do movimento do legislador nacional para melhor delimitação das hipóteses de aplicação das diligências, teremos mais uma vez que construir a partir de boa hermenêutica, respeito ao interesse público e apoio da jurisprudência das cortes de controles as soluções pragmáticas e que estabeleçam o equilíbrio entre os princípios da ampliação da competitividade, da supremacia do interesse público, da proposta mais vantajosa e o do necessário formalismo moderado, em especial considerando o ambiente competitivo dos processos licitatórios.

Como consequência a capacitação constante dos profissionais responsáveis por decidir em cada caso concreto sobre a pertinência ou não da diligência, torna-se ferramenta essencial para segurança jurídica, economicidade e agilidade nos processos licitatórios. Porém, o instituto da diligência bem aplicado garante contratações das melhores propostas o que é inegavelmente a concretização do interesse público.



 
 

 
 
 
 
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