14/12/2021 às 11h44min - Atualizada em 14/12/2021 às 11h44min

O STF e a constitucionalidade do novo marco do saneamento básico: uma vitória do Brasil

É preciso sanear

Cláudio Moraes

Cláudio Moraes

Advogado especialista em Direito Administrativo e Direito Eleitoral, sócio-fundador do escritório Cláudio Moraes Advogados: www.claudiomoraes.adv.br

O Supremo Tribunal Federal concluiu, no último dia 02/12/2021, o julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) propostas pelo Partido Democrático Trabalhista (ADI 6492), pelo Partido Comunista do Brasil, Partido Socialismo e Liberdade e Partido dos Trabalhadores (ADI 6536), pela Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (ADI 6583) e pela Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (ADI 6882), que questionavam a constitucionalidade de dispositivos da Lei 14.026/2020, conhecida como o novo Marco do Saneamento Básico, que reformulou a Lei 11.445 de 2007, que tratou originalmente do tema.

As metas do novo marco são ambiciosas. A partir da publicação da Lei reformadora, Lei 14.026, ocorrida em 16 de julho de 2020, as autoridades públicas tinham até 31 de dezembro de 2033 para atingir as seguintes metas1: “o atendimento de 99% (noventa e nove por cento) da população com água potável e de 90% (noventa por cento) da população com coleta e tratamento de esgotos”.

Por 7 x 3, os ministros do STF entenderam que as novas regras estabelecidas pelo novo Marco do Saneamento são constitucionais e a opção pela nova regulamentação está dentro das competências atribuídas pela Constituição Federal ao Congresso Nacional e não fere a autonomia municipal. 

Inquestionavelmente, os números do saneamento no Brasil são lamentáveis. Mais ainda, a baixa expectativa de melhoria nos índices, antes do novo marco, deixava o cenário ainda mais angustiante. As regras vigentes no velho marco do saneamento não foram suficientes para se atingir os índices necessários para retirar a população brasileira de tão lamentável realidade. 

Com todo o respeito a quem defende que essa importante política pública não deveria sair do controle das empresas estatais - uma vez que os denominados contratos de programa facilitavam a contratação das companhias públicas, sem licitação, para a execução dos serviços de água e saneamento dos municípios - mas o certo é que a sociedade brasileira não poderia continuar insistindo com um modelo que, na prática, não estava dando certo, ou pelo menos não na velocidade que a população precisava. 

Conforme dados divulgados pela Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon) e pelo Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Sindicom), no Panorama 2021, as concessões privadas de saneamento já alcançam 33% do total investido pelas companhias no setor e levando em consideração os leilões recentes das companhias Casal (Alagoas), Sanesul (Mato Grosso do Sul), Cedae (Rio de Janeiro) e do Município de Cariacica (ES), as empresas passam a atender direta ou indiretamente 17% da população, sendo que a expectativa é de alcançar ao menos 40% da população até 20302, embora estejam presentes em apenas 7% dos municípios. 

Há certas políticas públicas que precisam furar fila para que sejam colocadas como prioridade das prioridades, e o saneamento básico é uma dessas políticas. Simples assim. Qualquer país que pretenda se vender como sério no cenário internacional jamais poderá ser displicente com uma política tão relevante e elementar como o saneamento. Trata-se de uma das prioridades mais básicas para uma sociedade. 

Aliás, falar em saneamento básico é falar em dignidade da pessoa humana, e a Constituição Federal, no art. 1º, III, crava como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil a própria dignidade da pessoa humana. Assim sendo, se o modelo até então vigente não estava funcionando como deveria, nada mais justo que o Congresso Nacional buscasse encontrar novos caminhos para se atingir as metas necessárias para que o Brasil iniciasse uma nova fase civilizatória. 

Quem não tem saneamento tem pressa! Obrigar a sociedade brasileira aceitar que os índices positivos de saneamento aumentassem a passo de tartaruga, sem que nada fosse feito para o aperfeiçoamento dessa elementar política pública, não seria justo, além de ser irracional. 

No decorrer da execução dessas novas regras, instituídas pelo novo marco legal, caso alguns pontos necessitarem de ajustes, então que sejam realizados, sem prejudicar direitos dos atores de boa-fé. O que não se poderia permitir era que a inércia legislativa, por questões laterais, colaborasse para postergar a superação de lamentáveis números. O Congresso Nacional mandou bem com o novo marco do saneamento e o STF também colaborou bastante ao dar celeridade no julgamento das ADIs.

Segundo os dados mais atuais do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento - SNIS 2019, do Ministério do Desenvolvimento Regional, os índices sobre atendimento urbano com redes de esgotos demonstram não apenas a urgência em acelerar a implementação dessa política pública como escancaram as gritantes diferenças regionais. A título de exemplo, enquanto o Pará ostenta 8,1%, temos Minas Gerais com 81,7% de atendimento urbano com redes de esgoto. 

Definitivamente, não há mais espaço para se admitir que os quatro componentes do saneamento básico (art. 3º, I, a, b, c, d)3 não sejam prioridades do poder público. É inconcebível, por exemplo, ainda nos depararmos com esgotos jogados diretamente, sem o devido tratamento, em rios e praias. 

Prefeitos e governadores, especialmente, precisam colocar o tema saneamento como pauta prioritária de seus governos de forma imediata. A sociedade civil organizada também precisa estar atenta e participar dos debates.

É preciso comprometimento de todos os envolvidos para que o Brasil consiga sair dessa triste realidade o mais rápido possível. É o que se espera com o novo marco do saneamento, e essa decisão do STF deve colaborar para trazer mais estabilidade e segurança jurídica aos agentes envolvidos. 


1 Art. 11-B. Os contratos de prestação dos serviços públicos de saneamento básico deverão definir metas de universalização que garantam o atendimento de 99% (noventa e nove por cento) da população com água potável e de 90% (noventa por cento) da população com coleta e tratamento de esgotos até 31 de dezembro de 2033, assim como metas quantitativas de não intermitência do abastecimento, de redução de perdas e de melhoria dos processos de tratamento.

2 https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2021-07/operadoras-de-saneamentoprivadas-atendem-15-da-populacao

3 Art. 3º Para fins do disposto nesta Lei, considera-se: (Redação pela Lei nº 14.026, de 2020)
I - saneamento básico: conjunto de serviços públicos, infraestruturas e instalações operacionais de: Redação pela Lei nº 14.026, de 2020).
a) abastecimento de água potável: constituído pelas atividades e pela disponibilização e manutenção de infraestruturas e instalações operacionais necessárias ao abastecimento público de água potável, desde a captação até as ligações prediais e seus instrumentos de medição; (Redação pela Lei nº 14.026, de 2020).
b) esgotamento sanitário: constituído pelas atividades e pela disponibilização e manutenção de infraestruturas e instalações operacionais necessárias à coleta, ao transporte, ao tratamento e à disposição final adequados dos esgotos sanitários, desde as ligações prediais até sua destinação final para produção de água de reúso ou seu lançamento de forma adequada no meio ambiente; (Redação pela Lei nº 14.026, de 2020)
c) limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos: constituídos pelas atividades e pela disponibilização e manutenção de infraestruturas e instalações operacionais de coleta, varrição manual e mecanizada, asseio e conservação urbana, transporte, transbordo, tratamento e destinação final ambientalmente adequada dos resíduos sólidos domiciliares e dos resíduos de limpeza urbana; e (Redação pela Lei nº 14.026, de 2020)
d) drenagem e manejo das águas pluviais urbanas: constituídos pelas atividades, pela infraestrutura e pelas instalações operacionais de drenagem de águas pluviais, transporte, detenção ou retenção para o amortecimento de vazões de cheias, tratamento e disposição final das águas pluviais drenadas, contempladas a limpeza e a fiscalização preventiva das redes; (Redação pela Lei nº 14.026, de 2020)





 
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